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Pandemia da Covid-19 pode trazer impactos negativos para área da educação

Larissa Rodrigues
Publicado em 12/08/2020 às 08:08Atualizado em 18/12/2022 às 08:41
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A pandemia do novo Coronavírus modificou os formatos de ensino em todo o País. Durante o período de isolamento social, uma nova modalidade emergencial surgiu: a de ensino remoto a distância. A partir de então, órgãos oficiais da área de educação se posicionaram de forma a orientar as Instituições de Ensino Superior (IES). Os movimentos são favoráveis à preservação do ensino de qualidade ao aluno e contra a redução coletiva dos valores de mensalidades, que pode ameaçar a manutenção de empregos e a própria oferta de acesso ao Ensino Superior.

A mudança de aulas presenciais para o espaço digital levou inúmeros alunos a pretenderem uma redução nas mensalidades. Por isso, o Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior Privado (Semesp) e a Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes) desenvolveram ações de esclarecimento contra o argumento de que as IES diminuíram os gastos com essa suspensão, durante o período de isolamento.

A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão do Ministério da Justiça, também se posicionou contrária à horizontalização das mensalidades, em maio deste ano. Em nota, a Senacon esclarece que as IES devem buscar alternativas para garantir a prestação do serviço, na Educação essa adaptação foi feita por meios digitais, sendo que as reposições necessárias devem ser feitas posteriormente. O documento ainda reforça ser imprescindível a articulação dos Procons com as secretarias estaduais de educação para estabelecer critérios de avaliação do conteúdo e verificar o cumprimento do calendário escolar, os pedidos de aplicação de descontos na mensalidade devem ser avaliados concretamente, ou seja, sem a adoção de medidas lineares de desconto.

Uma pesquisa realizada pelo Semesp mostra que mais de 260 mil estudantes abandonaram o curso ou trancaram matrícula em universidades privadas entre os meses de abril e maio. Essa evasão foi 32% maior que a do mesmo período em 2019. A pesquisa ainda alertou que 11,3% dos estudantes devem terminar o ano inadimplentes. Já um estudo da Abmes apontou que, no último mês, 42% dos alunos estão sob o risco de desistir dos estudos, passo preocupante para o desenvolvimento da carreira de cada um.

Em entrevista publicada no site da própria Associação, o presidente da Abmes, Celso Niskier, afirmou que o setor deve estudar sobre como conceder benefícios de acordo com a realidade de cada aluno. Ele ainda destacou que o modelo discutido de redução coletiva pode prejudicar alunos que precisam de isenções ou refinanciamentos, enquanto os estudantes sem dificuldades seriam beneficiados com descontos desnecessários. Ainda, na mesma reportagem, ele abordou o modelo adotado pela maioria das Instituições de Ensino Superior, que não é uma ‘EaD tradicional’, com tutoria e material institucional, mas ‘aula presencial de forma remota’. “Muitas instituições investiram em tecnologia para dar conta desse modelo remoto, então, na verdade, estão indo para o sacrifício orçamentário. Uma economia de água ou luz durante este período não chega a representar 5% de uma planilha normal”, disse Niskier em entrevista para o site da Abmes.

Para o professor universitário, especialista em educação, mestre em Filosofia e doutor em Bioética, Sávio Gonçalves, do ponto de vista político, só há impacto na padronização de valores se houver lobby. Já no ponto de vista social, essa aplicação pode gerar problemas ainda mais sérios quanto a aspectos econômicos (fechamento de empresas e demissões) e sociais (exclusão de pessoas do sistema educacional, falta de atendimentos gratuitos, muitas vezes oferecidos pelas instituições, como clínicas da área de saúde e atendimentos jurídicos). “Não há como um valor ser padronizado com tamanhas discrepâncias regionais. Imagine a realidade do Triângulo Mineiro e compare-a com a de uma comunidade do norte de Minas. Em vez de se padronizar taxas, deveria haver a priorização da educação como um investimento público que impacta todas as áreas, inclusive a econômica”, esclarece.

Para Gonçalves, os Estados são responsáveis por garantir e manter os direitos dos cidadãos. “Dessa forma, o maior interessado em superar todas as adversidades é o Estado. Entretanto, isso não significa impor um modelo, padronizar um sistema, ou mesmo engessar a educação. Pelo contrário, essa requer, fundamentalmente, diálogo. No caso brasileiro, não houve a criação de uma linha de financiamento educacional. Apenas os repasses normais foram mantidos, com algumas poucas verbas para os hospitais públicos universitários. O momento é de planejamento; chamar as instituições para o debate e encontrar saídas para que a educação seja minimamente prejudicada. Estabelecer parcerias entre as instituições públicas e privadas, para compartilhamento de estrutura e financiamento público desse uso, poderia ser uma saída. Criar linhas de crédito para que as instituições privadas possam se reorganizar financeiramente, sem que sejam, posteriormente, engolidas por dívidas, ou mesmo cooptadas por grandes corporações educacionais internacionais, como se tem visto. Enfim, há inúmeras possibilidades para repensar a educação sem prejuízos extremos”, continua.

Sobre o pós-pandemia e os possíveis impactos na educação, o professor Sávio enumera que o primeiro passo é compreender que o mais prejudicado pela pandemia será o humano. “Evidentemente que haverá o dano econômico, social etc., mas o dano provocado às pessoas será o mais sério. Impactos psicológicos serão sentidos por anos. As instituições que perceberem isso e lançarem mão da criação de uma rede de apoio psicológico (on-line, inclusive) sairão na frente. Essa rede, cumpre lembrar, deve atingir todos os envolvidos (alunos, professores, técnicos, gestão, pais), podendo incluir, inclusive, aulas de atividades físicas (ou outras).”

A segunda etapa é focar o diálogo e a transparência. “As instituições de ensino deverão insistir em processos de comunicação cada vez mais claros, chamando os alunos e todos os envolvidos no processo para o debate. Aliada a isso, a transparência nas ações promove a confiança e mostra o compromisso com as pessoas. O terceiro aspecto é considerar o aprendizado. Cada pessoa tem um ritmo próprio e não pode ser tratada da mesma forma que o todo. É preciso criar um sistema de métricas de aprendizagem para que, a partir de avaliações diagnósticas permanentes, sejam ajustadas as ações e os modelos educacionais. Tais avaliações devem priorizar o atendimento individual; é a personalização, a humanização, do sistema educacional.” 

O quarto ponto trata das tecnologias. Para o professor, ninguém está completamente preparado para lidar com a atual realidade. “As construções estão sendo feitas na dinâmica de tentativa e erro. Exatamente por isso, o ideal é criar uma espécie de cartilha com orientações de procedimentos para o uso dessas tecnologias, bem como sugestões de modelos de aulas/práticas que funcionem. O comprometimento de todos é fundamental, mas é preciso ressaltar que ninguém motiva ninguém. Por último, deve-se tratar a possibilidade da melhora na qualidade do sistema como um todo. Com a viabilidade de redução dos ingressos (infelizmente), as instituições de ensino precisam se preparar para lidar com essa questão, tanto do ponto de vista econômico, quanto educacional. No que diz respeito ao educacional, é a oportunidade ideal para qualificar o corpo docente, incentivar a produção científica, fomentar iniciações para os alunos e modificar o sistema de gestão como um todo. Isso significa criar cursos diferentes, adaptados à nova realidade, fundados nos princípios acima, e, ainda, que possibilitem uma maior participação dos alunos”, finaliza o professor Sávio.  

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