ARTICULISTAS

Cigarro e Celular

Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Publicado em 19/10/2021 às 20:43Atualizado em 19/12/2022 às 01:40
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Cinéfilos entenderã o prazer de ver um filme numa sala de cinema é insubstituível. Claro que um bom filme também o será na tela da televisão doméstica, porém, sentar-se no escuro, naquele ambiente espaçoso, sentindo a reação do público, com a atenção no conteúdo à frente, é outra experiência.

Até que não é mais.

Sem saudosismo, é verdade que onde há seres humanos sempre há espaço para calos mutuamente pisados, e as salas de cinema não são exceção. Historicamente, as diferenças tinham a ver com conversas durante o filme, lugares indevidamente ocupados, reações exageradas ou barulhentas e, às vezes, casais ultramotivados.

Agora, aos perrengues habituais, nos últimos anos adicionou-se essa maravilha da modernidade, o celular. Aparentemente, duas horas é demasiado tempo para estar desconectado das onipresentes redes sociais. As pessoas absolutamente têm porque têm que entrar nas respectivas para verificar... o quê? Ninguém sabe, mas é importantíssimo.

Já até se cunhou um termo para essa necessidade de estar conectado o tempo todo, o FOMO, fear of missing out, medo de perder alguma coisa. O celular é apenas o veículo; o que as pessoas querem é saber tudo, 100% das postagens que passam pela sua linha do tempo, não vá alguém escrever algo que lhes interesse minimamente, o que quase nunca acontece.

Assuntos relevantes poderiam, e deveriam, ser considerados e acarinhados, com tempo e cuidado. Conquistas e dificuldades de familiares e amigos são, sim, pertinentes e precisam de atenção. E isso demanda tempo, o que quase não existe mais. Esvaneceu-se numa sucessão de horas gastas, desperdiçadas a passar dedo no aparelho, correndo a tal timeline que, afinal, é infinita. Alguém sempre vai postar algo novo; coisas acontecem – é a vida.

Enquanto isso, o brilho da tela ligada na sala escura atrapalha os vizinhos nas cadeiras ao lado, bem como todos os de trás, que tentam se concentrar no destino do agente secreto a serviço da rainha. E isso a cada dois minutos.

Houve um tempo em que se podia fumar dentro do cinema, durante o filme. Também se fumava em restaurantes, cabeleireiros, salas de espera, até dentro de aviões! Atualmente nos parece tão absurdo que até choca. Que cheguem logo os tempos em que escandalizar-nos-á o surto de conectomania de que hoje padece a humanidade.

Ana Maria Leal Salvador Vilanova - Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica - [email protected]

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