ARTICULISTAS

Tiranos Ocasionais

Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Publicado em 19/04/2021 às 19:39Atualizado em 18/12/2022 às 13:11
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Ficou famosa uma experiência conduzida na Universidade de Stanford, em que um professor de Psicologia designou, aleatoriamente, alunos para serem prisioneiros ou guardas, numa prisão fictícia. Eram apenas salas de aula adaptadas, num espaço isolado da escola, e os alunos, todos, voluntários. Entre os objetivos do estudo, analisar como pessoas normais se encaixariam nos respectivos papéis.

O professor Zimbardo dava algumas diretrizes de como a instituição correcional deveria ser gerida, porém, os “funcionários” tinham bastante espaço para atuarem conforme a criatividade ditasse. Previsto para uma certa duração, o professor decidiu encerrar o estudo quando percebeu que a coisa toda havia descarrilado, muito além do que qualquer um imaginaria.

Como resultado ficaram muitas conclusões, lições aprendidas, um filme ruim e um ótimo documentário. Pessoas normais, ao se verem investidas pela autoridade conferida pelo pesquisador, começaram a abusar das prerrogativas e a submeter os “prisioneiros” a situações cada vez mais humilhantes e abusivas.

De notar que, na raiz da elaboração do estudo, estava a busca pelos mecanismos psicológicos que viabilizaram regimes autoritários e arrastaram povos inteiros em loucuras totalitárias. Há pessoas que se submetem por coação, porém há aquelas que se ajoelham no altar da tirania, apenas para não terem o trabalho de pensar por si mesmas.

Não se fazem mais estudos nos moldes da prisão-universitária por razões éticas, porém, dinâmicas mais simples são comuns até em seminários de fim de semana. Foi num desses que uma psicóloga propôs uma interessante atividade, muito esclarecedora.

Em pequenos grupos, tínhamos que planejar uma coisa qualquer. Não nos conhecíamos, mas foi-nos dado conhecer nossos rótulos. Cada pessoa levava na testa uma faixa com uma característica escrita, atribuída de forma totalmente aleatória. O truque é que a própria pessoa não sabe o que é, apenas consegue ver os outros.

Não levei mais do que dois segundos para perceber que havia me calhado uma característica ruim. Não apenas minhas ideias não eram ouvidas, muito menos acatadas, mas os colegas ainda se compraziam em tratar-me de forma grosseira, e ouvi mais de um “cala a boca”. Garanto, gente perfeitamente normal e, até um minuto antes, civilizada.

Quando houve a revelação, vi o que eu era (chata? antipática? não lembro bem) e ficou a lição. Lembrei-me dos carcereiros-estudantes ao refletir sobre o quão proativos foram meus colegas ao agarrar a oportunidade de destratar outra pessoa, apenas porque alguém lhes deu autoridade e justificativa para tanto.

Hoje é dia de escolher, mais uma vez, nossas condutas. Ainda mais nos tempos atuais, sempre podemos optar pela delicadeza.

Ana Maria Leal Salvador Vilanova - Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica - [email protected]

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