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Eu, Amanhã

Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Publicado em 13/04/2021 às 21:11Atualizado em 18/12/2022 às 12:58
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Desde que a evolução tecnológica tornou possível observar o cérebro humano enquanto este pensa, a neurociência vem avançando de forma galopante. Por exemplo, descobriu-se que quando uma pessoa pensa nela mesma, uma certa área do cérebro se ilumina. Porém, quando pensa em outra pessoa, uma área diferente é ativada. Até aí, não se pode dizer que seja grande surpresa, faz todo o sentido. Para o cérebro, o “eu” é diferente do “outro”. A novidade foi quando pediram a voluntários em teste que pensassem neles mesmos, porém, no futuro.

O resultado desta pequena variação, “pense em você mesmo daqui a dez anos”, trouxe um esclarecimento fundamental. Para o cérebro humano, pensar no “eu futuro” equivale a pensar em outra pessoa! A mesma área se ilumina quando penso no meu vizinho e quando penso em mim mesma daqui a algum tempo.

No mês da segurança, esta informação traz alguma luz aos profissionais que trabalham em prevenção. Vejam, é mais fácil não usar os óculos de segurança, já que eles incomodam, embaçam, se sujam, etc., e as consequências, se as houver, serão problema dessa “outra pessoa”.

Encontram-se estratégias para evitar esse efeito, e uma das mais brilhantes veio de um colega que, um dia, encontrou um funcionário operando uma britadeira sem aquele equipamento de proteção pessoal. Pedras eram projetadas em alta velocidade, como resultado da operação. Ao ser abordado, o funcionário, imediatamente, listou todos os problemas que a proteção ocular lhe trazia e jogou a carta “nunca me aconteceu nada”.

– Muito bem, não vou discutir. Pode me fazer um favor?

Aliviado por não ter que seguir na discussão desconfortável, o funcionário concordou. Pequeno preço a pagar pela vantagem de vencer a disputa.

– Peço dois minutos da sua vida. Nesses dois minutos, começando agora, peço que você feche os olhos. Apenas isso, feche os olhos e fique com eles fechados por dois minutos. Eu vou ficar aqui ao seu lado e não vou deixar que nada lhe aconteça. Nada, nem ninguém, vai tocar você. Apenas veja o que pode ser a sua vida, se, em um segundo, a sua sorte mudar e uma dessas projeções atingir os seus olhos.

Pouco usual o pedido, ainda assim, razoável, e o funcionário acedeu, fechando os olhos.

Em dez segundos, se entregou.

Abriu os olhos quase sufocado, sentindo-se vulnerável e completamente perdido no meio do ambiente de trabalho. Tudo o que lhe era familiar, oculto pela escuridão. Foi capaz de se colocar no lugar do seu eu futuro e, mais importante, sentir, aqui e agora, o seu sofrimento.

Despediram-se em bons termos, com agradecimentos mútuos.

Por muitos dias, o funcionário continuou o trabalho; nunca mais os óculos de segurança foram um problema.

Ana Maria Leal Salvador Vilanova Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica - [email protected]

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