ARTICULISTAS

A curva

Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Publicado em 17/11/2020 às 18:16Atualizado em 19/12/2022 às 05:57
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Há uma curva de aprendizagem no caminho de quem muda de País. Geralmente há um período de lua de mel, seguido de um vale de lamentação que, no fim, estabiliza-se.

No início, há tanta coisa pra ver, tanta informação a incorporar, que toda a nossa energia é consumida em apreender o significado do que estamos experimentando. São coisas às vezes muito pequeninas que, como toda novidade, acendem o nosso estado de alerta, até compreendermos o que aquilo representa. Como, por exemplo, procurar mamão na seção de frutas exóticas, mas ter morangos o ano todo. E corretamente diferenciar todas as “bagas” – mirtilo, framboesa, amora e groselha. E entender que “com licença”, na verdade, é uma forma muito educada e meio formal de dizer “adeus”.

Depois, quando achamos que já temos tudo controlado, vem o momento em que nos damos conta de que sentimos muita falta da família, dos amigos e das pequenices até meio tolas, mas que são nossas. Vem um impulso de achar defeito em tudo, cada outra frase começa com um “lá no Brasil não é assim…”. Mas passa.

Porque, depois, chegamos ao equilíbrio. Incorporamos os grandes blocos de informação, ainda que nunca deixemos de nos surpreender com aspectos cada vez mais sutis da cultura em que estamos imersos. E gerimos a saudade, principalmente depois de viver o ciclo anual algumas vezes, incluindo as férias com a família. Nesse momento, sabemos se já nos adaptamos (ou não) e, mantidas as condições, somos capazes de viver na nova situação até sempre.

É quando há o mergulho. Se nos mantivermos abertos e atentos, vamos compreendendo as nuances mais singelas ao nosso redor, adicionando significado cada vez mais profundo à experiência. Quando me perguntam “quando é que você realmente ‘virou’ portuguesa”, o que me vem à cabeça são duas coisas.

Primeir quando você “mesoclia”. Os portugueses, rotineiramente, colocam o pronome no meio do verbo, quando é necessário. Até hoje me lembro da primeira vez que ouvi, no caso, meu colega de trabalho, que disse “dá-lo-ia”. Não me lembro da frase completa, sequer do assunto, mas a mesóclise foi essa.

E segund quando você termina um impasse numa discussão citando Fernando Pessoa. Para nós, ele é O Fernando Pessoa. Mas, em Portugal, ele é o P’ssoa e tinha resposta pra tudo. Quando alguém solta um: “como disse o Pessoa...”, pode saber que o assunto está encerrado e bem lacrado.

Ana Maria Leal Salvador Vilanova

Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica [email protected]

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