ARTICULISTAS

Arquitetura da demolição

O Observatório Urbano realizou no mês de outubro um estudo que abrangeu 808 imóveis

Leonardo José Silveira
Publicado em 22/11/2019 às 20:11Atualizado em 18/12/2022 às 02:09
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O Observatório Urbano realizou no mês de outubro um estudo que abrangeu 808 imóveis situados nas principais ruas de comércio do Centro de Uberaba. Entre imóveis ocupados e desocupados constatou-se que 150 encontravam-se fechados. Ou seja, em outubro havia pelo menos 150 imóveis disponíveis para diferentes usos: de comércio a serviço ou moradia, somente nas ruas principais do Centro. 

Se o levantamento estendesse às galerias, certamente o número de estabelecimentos vazios seria muito maior, isso sem considerar as lojas dos shoppings, que estão localizadas em outros bairros. É um indicativo de que nossa economia não só está desaquecida como também existem outros agentes atuando para resultar em números ruins.

Há muita oferta de imóveis, principalmente de uso comercial, para locação. Essa situação se explica em parte pelas residências que deixaram de ser habitadas para se transformar em lojas, consultórios, clínicas, etc. Ruas e avenidas até então residenciais, como Major Eustáquio, Santos Dumont, Santo Antônio, Segismundo Mendes e outras tantas, passaram a concorrer com o comércio das ruas tradicionais da Artur Machado, Vigário Silva, São Benedito e Tristão. Ou seja, há excesso de oferta.

Dito isso, acredito que, no momento, o Centro de Uberaba precisa muito mais de moradores do que de lojas, pois hoje há quadras inteiras sem nenhum habitante.

Na década de 1960, Jane Jacobs, jornalista e estudiosa das dinâmicas urbanas, publicou um livro chamado “Morte e vida das grandes cidades”, em que questiona os princípios da reurbanização ao mesmo tempo em que propõe ampliar as análises para as questões de natureza socioeconômicas. A autora defende que a diversidade é o fator que traz vida ao lugar, lembrando que “o principal atributo de um distrito urbano próspero é que as pessoas se sintam seguras e protegidas na rua e em meio a tantos desconhecidos”. Essa proteção é conseguida não apenas com destacamento militar, mas principalmente com a presença de moradores, afinal, quem sente seguro sendo o único a habitar uma quadra inteira sem vizinhos?

A diversidade de usos é garantida pela presença de imóveis novos e também antigos, pois a especulação imobiliária é um fator que expulsa moradores e lojistas. No estudo do Observatório, constatou-se que a maioria dos imóveis fechados são construções comuns, sem nenhuma proteção, que podem ser derrubadas e refeitas quantas vezes quiserem.

Já as poucas edificações históricas protegidas correspondem a uma parcela muito pequena do total, pois apenas 16 são tombadas e 105 inventariadas. Esses imóveis, detentores de arquiteturas de diferentes períodos da história da cidade, são a materialização de parte do nosso passado e possuem valor não somente econômico, mas principalmente histórico e artístico. Os investidores têm um apreço especial por esses bens, pois situam-se em áreas estratégicas e que, no geral, são adquiridos por valores relativamente baixos, o que explica os sucessivos pedidos para demolições.

O fato é que, ampliando a oferta de estabelecimentos comerciais em uma área que está perdendo lojistas, agrava-se uma situação que já é preocupante. Qual a lógica, mesmo a econômica, de se criar espaços desconectados da necessidade da cidade, propondo demolição de imóveis únicos do ponto de vista arquitetônico que afetarão a imagem da cidade como um todo?

Lentamente, vejo Uberaba tornar-se amorfa e sem memórias. Seus habitantes vão se recolhendo cada vez mais a condomínios fechados, se afastando do Centro e se isolando do convívio e da experiência urbana. O fatídico roteiro de degradação e abandono é o triste fim daquilo que um dia foi orgulho para um povo. 

(*) Coordenador do Observatório Urbano

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