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O Bisavô

Luiz Cláudio dos Reis Campos
Publicado em 05/08/2021 às 18:15Atualizado em 18/12/2022 às 15:23
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Caro Tomás, não nos conhecemos. Tomo a liberdade de lhe escrever, tendo em vista o nefasto episódio em que você se envolveu por força das circunstâncias e, sobretudo, a forma como se portou. Sua manifestação precisa, pontual e contumaz me ocasionou uma digressão que, mais à frente desta carta, você compreenderá. Somos de gerações distantes, você mal começa sua jornada por aqui e eu já, seguramente, ultrapasso mais da metade da caminhada. O tempo é soberano quando se trata de nos situarmos nos contextos de nossas existências, há que respeitá-lo, e não modificá-lo, e sim o interpretar da maneira que ele é, ou seja, inexorável. Digo isso para me situar e situá-lo naquilo que, agora, irei narrar a você e que, de certa forma, da maneira mais tenra, pode nos associar, você e eu. Quando tinha sua idade atual, o século era XX e meados dos anos 70. Naquela ocasião, iniciei minha percepção acerca de como e a quantas o Mundo andava, especialmente o Brasil. Uma série de fatores externos e, também, internos foi responsável para formar meu discernimento e minha opção de participar e de militar politicamente. Vivíamos ainda na Ditadura e me inclinei a contestá-la e a combatê-la. Primeiro a Anistia, posteriormente as Diretas Já. Ingressei no movimento estudantil universitário e me tornei dirigente local, onde acumulei experiências riquíssimas, que fazem parte de minha formação e construção humana.  Nessa travessia que remonta décadas, pude vivenciar fatos marcantes, os mais expressivos, como disse acima, como tantos outros que fazem parte da história, com os pesos de seus significados. Cada um de nós atribui seu grau de relevância e influência em nossas vidas e atitudes. Aí que entra o que de fato nos vincula, Tomás, o que de fato, pra mim, àquela época se revestiu de enorme importância. Os caminhos que percorri na militância me fizeram chegar ao seu bisavô. Tive a oportunidade de conhecê-lo e de conviver um pequeno, mas suficiente lapso de tempo, que se tornou em uma das mais ricas passagens da minha trajetória política. Ali estava claro, como o esplendor solar, que eu estava diante de um político com P maiúsculo, uma liderança nata, com idoneidade e caráter, que nos dava segurança e gosto de lutar para transformar. Sonhos legítimos para uma democracia que engatinhava e precisava de muito zelo e sabedoria para consolidá-la. Seu bisavô é parte indissociável da mais preciosa conquista dos brasileiros nas últimas quase quatro décadas, a democracia. E é dela que aqui estamos tratando nos dias de hoje. É dela que não podemos nos desviar em nenhum momento. E você, Tomás, que irá passar seu primeiro Dia dos Pais sem a presença do seu, experimentou o amargo, indigesto e desrespeitoso gesto de desprezo à vida e à democracia. Mas sua reação foi cirúrgica e altiva, contundente e sábia. Você me fez lembrar Mário Covas, seu bisavô, que tanta falta nos faz. Caro Tomás, creio que agora percebeu o que tenuemente, porém de maneira indestrutível, me associa a você. Fica aqui a indagação a propósito do que você tão bem colocou sobre a covardia. Imagine se vivo Mário Covas estivesse? De todo modo, você o fez reviver em seu melhor estilo. O do combatente pela justiça, democracia, ética e dignidade humana. Deixo minha solidariedade e respeito à memória de seu pai, Bruno Covas, com a esperança de que dias melhores virão. E para isso acontecer depende de cada um de nós, especialmente das novas gerações. Você não faltará, com certeza. Neste Dia dos Pais, você lavou a alma do seu e lhe deu o maior presente.

Luiz Cláudio dos Reis Campos

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