ARTICULISTAS

O Mundo de Hipócrates

Luiz Cláudio dos Reis Campos
Publicado em 11/03/2021 às 21:09Atualizado em 18/12/2022 às 12:44
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“Nunca me servirei da minha profissão para corromper os costumes ou favorecer o crime”. Esta frase pertence a uma das versões do Juramento de Hipócrates, pai da Medicina, cujo original foi escrito no século V a.C., em grego jônico, que era um dialeto do grego antigo. O Juramento é tradicionalmente proferido nas colações de grau dos acadêmicos de Medicina. Naquele momento, os formandos, juram, solenemente, repetindo frase por frase da pausada leitura do orador. Hipócrates viveu bem antes da peste bubônica, da febre espanhola e mais distante ainda da COVID 19. Uma de suas obras chama-se Epidemias. O título já nos aproxima do autor e o transporta para os tempos atuais. Daí imaginemos Hipócrates, perambulando por aqui em pleno século 21, vivenciando o enfrentamento à COVID 19 no Brasil por parte de sua autoridade máxima, com o número de mortes, negligência à vacina e tantas outras imperícias responsáveis por rechear as estatísticas com lamentáveis e indesejáveis dados. Até aí vamos imaginar que o “pai da Medicina” se revoltasse e se indignasse, mas sem poder estabelecer uma relação causal com a Ciência e o exercício do nobre ofício médico. Eis que Hipócrates se depara com duas notícias, uma de Uberaba-MG, outra de Ribeirão Preto-SP, dando conta que duas festas clandestinas idealizadas e realizadas por acadêmicos de medicina foram interditadas e dispersadas em flagrante contravenção aos decretos de contenção da doença das duas cidades. Estudantes sem máscaras, aglomerados em números superiores a 300, entoando o réquiem fúnebre de canções horrendas, como que indiferentes às trágicas consequências de que inevitavelmente são portadores e disseminadores. Certamente, Hipócrates concluiria tristemente que aquilo é um péssimo sinal dos tempos e de uma ineficaz educação que despreza em sua base e nas grades curriculares conceitos e disciplinas como ética, civilidade, empatia, solidariedade, coletivismo, sociologia, humanismo. O que mais espantaria Hipócrates seria a conta tempo a ser feita e constatar que, do seu Mundo até os dias de hoje, 2.500 anos nos separam. E ele se permitiria pensar: que civilização é esta? E, atônito, fosse a uma cerimônia de colação de grau e ouvisse seu Juramento por estudantes que eram os protagonistas das ditas baladas. “Nunca me servirei da minha profissão para corromper os costumes ou favorecer o crime”.  Incrédulo, regressaria a seu Mundo, o Mundo de Hipócrates, para jamais retornar ao nosso Mundo. O Mundo de Hipócritas.

Luiz Cláudio dos Reis Campos

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