SAÚDE

Meditação ajuda a controlar o Transtorno Obsessivo Compulsivo

O trabalho, recém-publicado constatou que pessoas com TOC de moderado a grave tiveram uma redução de 40% nos sintomas depois da meditação

Publicado em 17/02/2020 às 17:52Atualizado em 18/12/2022 às 04:20
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Um estudo realizado pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com pesquisadores da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, além de outras instituições americanas e brasileiras, acaba de mostrar que meditação pode ser pode ser uma ótima recomendação para os tempos atuais.

O trabalho, recém-publicado na revista acadêmica Frontiers in Psychiatry, constatou que pessoas com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) de moderado a grave tiveram uma redução de 40% nos sintomas depois de passarem quatro meses e meio praticando técnicas específicas de meditação da Kundalini Yoga. Trata-se de um sistema difundido no Ocidente pelo mestre indiano Yogi Bhajan — não tem a ver, portanto, com a meditação Kundalini associada ao famoso guru Osho.

Desses participantes, aqueles que continuaram na pesquisa até o fim, por mais um ano, alcançaram uma melhora de 50% nas manifestações do TOC. Três pessoas chegaram a zerar os sintomas de obsessão e compulsão. “Os resultados colocam essa prática de meditação no ranking da primeira linha de tratamento do TOC”, avalia um dos autores do estudo, Rodrigo Yacubian Fernandes, médico do Hospital Sírio-Libanês, na capital paulista, e professor de Kundalini Yoga. Foi ele, aliás, quem instruiu os voluntários durante a pesquisa.

Caracterizado pela presença de pensamentos desagradáveis, repetitivos e invasivos, muitas vezes aliviados com rituais compulsivos, o TOC é usualmente tratado hoje com medicamentos antidepressivos e uma linha de psicoterapia chamada terapia cognitivo-comportamental (TCC).

Ainda que essas abordagens sejam consideradas o “padrão-ouro”, um número expressivo de pessoas não responde bem a elas. Metade dos pacientes tratados apenas com remédio e 30% dos pacientes submetidos à combinação de medicamento e psicoterapia não têm melhora significativa dos sintomas.

É nesse contexto que o achado vem sendo saudado como uma notícia e tanto. O TOC está entre as doenças de mais difícil controle e é classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das dez mais incapacitantes do planeta.

“O resultado me parece bastante encorajador, especialmente em se tratando de um tipo de intervenção que não tem risco para a saúde e possui um custo baixo”, analisa o psiquiatra e psicoterapeuta Carlos Gustavo Mansu, do Instituto de Psiquiatra da USP, que não participou do estudo.

A pesquisa avaliou o impacto da meditação Kundalini Yoga sobre o TOC e comparou seus efeitos com os de outra técnica meditativa bastante conhecida, a chamada resposta de relaxamento — esta proposta pelo cardiologista americano Herbert Benson nos anos 1970 para tratar casos leves de pressão alta. Meditação à prova

O estudo contou com 48 homens e mulheres de 18 a 65 anos que tinham diagnóstico de TOC há pelo menos seis meses e passaram por avaliação com psicólogos especializados. Numa escala tradicionalmente utilizada para avaliar o grau de perturbação com sintomas obsessivos e compulsivos, com máximo de 40 pontos, todos marcaram acima de 16 ao serem admitidos, o que indica nível de moderado a grave.

Os participantes não podiam estar fazendo psicoterapia nem estar tomando remédios benzodiazepínicos (calmantes) no momento da admissão e nos seis meses anteriores, devendo se manter assim também ao longo de todo o experimento. Assim, os pesquisadores poderiam medir os efeitos da meditação sem a interferência desses fatores.

Era permitido apenas que os participantes tomassem algum medicamento da classe dos antidepressivos, normalmente prescritos no tratamento do TOC, com a dosagem estável há pelo menos três meses, sem poder mudar de remédio nem aumentar a dosagem durante o estudo — só era permitido reduzir a dose ou suspender o remédio. Os critérios de inclusão e exclusão dos voluntários foram tão rigorosos que o processo de recrutamento levou um ano.

Ao final da primeira etapa, os praticantes do grupo da resposta de relaxamento tiveram uma redução de quase 18% nos sintomas – menos da metade da melhora de 40% obtida pelo grupo da Kundalini Yoga. A avaliação foi feita novamente por psicólogos e com base em escalas.

Os pesquisadores haviam estabelecido que uma melhora significativa do TOC seria representada por uma redução de pelo menos 35% dos sintomas, um parâmetro consagrado na literatura científica por indicar um incremento perceptível no quadro dos pacientes. Além disso, uma técnica seria considerada significativamente mais eficaz que a outra nessas circunstâncias se a melhora promovida fosse 35% superior à do outro grupo.

“Os resultados da primeira fase nos deram substrato para convidar o pessoal que estava praticando a resposta de relaxamento a fazer a meditação da Kundalini Yoga também. E, a partir desse momento, nós seguimos mais um ano fazendo essa prática com todos”, conta Yacubian Fernandes.

Os participantes tiveram o grau de seus sintomas avaliados novamente aos oito meses e meio de pesquisa, depois de um ano de estudo, e ao final, com um ano e quatro meses de prática. A melhora nos sintomas se manteve, tanto para aqueles que originalmente estavam no grupo da Kundalini Yoga (50% de melhora, comparando a avaliação final com a avaliação inicial), quanto para os que haviam migrado do grupo da resposta de relaxamento (27% de melhora, a partir do momento que ingressaram no grupo da Kundalini Yoga).

Com base nesses resultados, o artigo concluiu que a meditação da Kundalini Yoga pode ser recomendada a pacientes com TOC que não têm resultados satisfatórios com os tratamentos de primeira linha (medicação e terapia cognitivo-comportamental). Inclusive sugere-se testar a meditação antes de recorrer a abordagens mais invasivas, como a estimulação cerebral profunda, atualmente considerada um último recurso.

A prática também seria útil àqueles que não querem ou podem utilizar remédios — por sofrerem com efeitos colaterais, como ganho de peso, alteração do sono ou disfunção sexual. Ou, ainda, ser empregada como recurso adicional para ampliar a resposta ao tratamento. 

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