POLÍTICA

Entrevista: Linha ideológica do PT não é dada por político de renome, diz general

General da reserva Luís Eduardo Rocha Paiva esteve em Uberaba, na semana que passou, para palestrar em curso da Adesg

Marconi Lima
Publicado em 12/10/2019 às 12:07Atualizado em 18/12/2022 às 01:03
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Foto/Israel Júnior

 

General da reserva Luís Eduardo Rocha Paiva, que se envolveu em polêmica com o presidente da República Jair Bolsonaro (PSL), esteve em Uberaba para palestrar no curso da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (Adesg). Em entrevista ao Jornal da Manhã, ele falou sobre as declarações do presidente da República contra governadores do Nordeste. Na ocasião, Jair Bolsonaro chamou o general de melancia, numa alusão a um militante esquerdista, sendo verde-militar por fora e vermelho-comunista por dentro. General falou ainda sobre questões relacionadas à soberania nacional e ao trabalho da Comissão Nacional de Anistia, do qual é conselheiro. Rocha Paiva tem doutorado em Aplicações, Planejamento e Estudos Militares na Escola de Comando do Estado-Maior do Exército. Somam-se ao currículo um mestrado e duas pós-graduações, além da vivência como instrutor da Academia Militar das Agulhas Negras e em outras duas instituições militares de ensino. Na caserna, comandou o 5º Batalhão de Infantaria Leve, em Lorena, interior de São Paulo. Confira a entrevista!

Jornal da Manhã – Como o senhor avalia as posturas do presidente Jair Bolsonaro, especialmente em relação a alguns rompantes, quando ele chega a pular a linha da cortesia e do bom entendimento?

Luís Eduardo Rocha Paiva – Temos que entender que durante 30 anos o presidente [Jair Messias] Bolsonaro foi deputado. E um deputado muito combativo. Então, o DNA dele é o do conflito, no bom sentido. Muitas vezes ele ocupou o púlpito no Congresso Nacional – e sempre em situação de conflito – para defender ideias que eram atacadas por ideias do Estado de esquerda que existia no país. No momento em que ele assume a Presidência da República, é preciso um tempo, e acho que quanto mais cedo melhor para ele vestir a faixa de presidente da República e se despir da faixa de deputado. O presidente deve ser combativo, sim, mas precisa ter cuidado com os reflexos de tudo aquilo que ele fala, pois se reproduz.

JM – Muito se fala de um pacto entre os poderes da República para manter a governabilidade do país. Com isso, há quem aposte que a operação Lava-Jato seja desmantelada. O senhor percebeu algum sinal desse possível “acordão”, que teria sido articulado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli?

LERP – Não tenho conhecimento. Mas existem algumas nuances que percebemos no cenário que podem levar a essas conclusões. De uma coisa eu tenho certeza, a Lava-Jato tem que ser preservada ao máximo. É a esperança do país na moralidade do serviço público, do serviço ao cidadão, da representatividade ao cidadão. Temos uma liderança política que tradicionalmente é patrimonialista e fisiológica. E muitas vezes aliada a lideranças políticas de esquerda socialista, que vêm ocupando espaço desde os anos 90 no país. Houve uma associação ideológica entre essas lideranças socialistas e patrimonialistas tradicionais e que está levando o Brasil ao caos, no que diz respeito à moralidade pública. E a Lava-Jato veio como uma esperança para o resgate da moralidade pública no país. Eu acho que ela tem que ser preservada. Espero que não exista esse conluio entre os poderes da República para relativizar a Lava-Jato.

JM – General, o senhor não acredita que, apesar de a Lava-Jato ter um papel importante, não seria interessante criar políticas públicas permanentes de combate à corrupção, através do fortalecimento das instituições e dos sistemas de controle? Não seria mais eficiente do que reduzir o combate à corrupção a apenas uma operação?

LERP – A Lava-Jato abriu a porta. Agora vem o pacote anticrime do ministro [da Justiça, Sergio] Moro. Por que não aprovar logo esse pacote, inclusive com as modificações que se fizerem necessárias? Isso tudo se constrói passo a passo. E a Lava-Jato foi um passo muito importante para isso aí [combate à corrupção], mas não se esgota na operação. Temos aí a Educação, os sistemas de controle, o combate à criminalidade no campo político e econômico, mas também a ideia do combate à relativização dos valores, da destruição de valores e da destruição das famílias. Tudo isso compõe um pacote de resgate da moralização nacional. Não se esgota na operação Lava-Jato, mas ela é o aríete (máquina de guerra) que está derrubando essa bastilha.

JM – Essa postura de confronto do presidente da República não dificulta essa reconstrução de valores, no sentido de buscar mais harmonia e solidariedade entre as pessoas?

LERP- A gente costuma falar “do presidente da República”. Mas não é somente do presidente da República, é uma postura de todas as lideranças nacionais. É uma postura de combate. E quando isso tem um viés ideológico por trás, dificulta a coesão nacional. Hoje, o país está dividido entre o que se chama de esquerda e direita. E esse país não vai para a frente enquanto estiver em um determinado momento do lado direito e em outro momento do lado esquerdo. Assim o país não vai para a frente, continuará sempre caminhando de lado. A combatividade ao extremo, na qual colocam setores do país em oposição total ao outro, não respeitando a ideia do contraditório, mas dizendo que o contraditório passa a ser o inimigo inaceitável, isso não constrói um país.

JM – Afinal de contas, aprendemos com as diferenças...

LERP – Acho que as diferenças só não são aceitáveis quando um lado peca pela moralidade. Agora, quando peca pela ideia de construção, aí não existe inimizade. Seria apenas um competidor. Jamais deve ser tratado como inimigo.

JM – Foca-se muito o discurso entre direita e esquerda, mas aqui, no Brasil, nem direita e nem esquerda cumprem ideologicamente os seus papéis. Os discursos são sempre muito rasos...

LERP – Sim. As pessoas simplificam muitas coisas. Na realidade, a extrema-direita não é o fascismo ou o nazismo, é o ultracapitalismo. O [ministro da Economia] Paulo Guedes é um liberal. Então, ele é considerado de direita. E a ultradireita, ao lado dele, não pode ser o nazismo ou fascismo, tem que ser o ultracapitalismo. Agora, quanto à esquerda, lá no seu limite radical tem-se o socialismo marxista e tem o socialismo fascista. Inclusive, o partido de [Adolf] Hitler, na Alemanha, se chamava Partido Nacional Socialista. Então, o que se chama de extrema-direita como sendo nazismo é uma falácia. Agora, o socialista marxista tem horror de falar que ao lado dele está o socialista nacionalista.

JM – No Brasil, o senhor avalia que existem posturas extremistas dos dois lados?

LERP – No lado ultracapitalista não existe muita força. Mas, no lado radical da esquerda há muita força. Se você estudar um partido socialista, como é o caso do Partido dos Trabalhadores (PT), a linha ideológica do partido não é dada por nenhum político de renome, a não ser José Dirceu. A linha ideológica do PT é dada por José Dirceu, Rui Falcão, o falecido Marco Aurélio Garcia, Valter Pomar e outros tantos. Todos eles dão a linha ideológica do partido. Não é o político com voto quem dá a linha ideológica do partido. Então, existe, sim, o movimento socialista internacional, está aí o Foro Internacional de São Paulo, está aí a Venezuela. Isso que perdeu força em países politicamente amadurecidos, como os países da União Europeia e nos Estados Unidos, logicamente na América Latina ainda tem muita força.

JM – Há quem defenda a tomada do poder central pelo Exército... E que sinais ou fatos institucionais deveriam provocar uma intervenção das Forças Armadas? Como o senhor analisa essa questão?

LERP – Nenhuma nação pode ser tutelada pelas Forças Armadas a vida toda. Existem momentos na vida de um país que as Forças Armadas, como representantes da nação e da garantia dos poderes constitucionais, precisam atuar para evitar situações de anomia (ausência de lei), caos social, perda da paz social e guerra civil. Se os poderes do Estado não tiverem condições de manter a estabilidade, pode ser que, em determinado momento da vida nacional, as Forças Armadas tenham que fazê-lo. Esse momento não chegou ao Brasil ainda. Não é caso de as Forças Armadas terem que fazê-la [uma intervenção no país]. Acho que quem tem que verificar se algum poder da República favorece a corrupção é o povo, através de uma pressão popular, cabe a pressão sobre autoridades que estão em cargos importantes, mas eles não farão isso porque poderia se criar uma situação de instabilidade. Mas, podem atuar junto a autoridades que têm tomado atitudes e medidas que comprometam essa moralidade e, junto a elas, dar o recado de que esse caminho não vai dar certo.

JM – A Amazônia se transformou em uma polêmica mundial, envolveu até mesmo o Vaticano, através do papa Francisco. Em 2009, o senhor publicou um artigo no jornal O Estado de S. Paulo, criticando o que chamou de equivocadas políticas de estratégia, ocupação, desenvolvimento e integração. O que mudou nesses últimos dez anos? O senhor acredita que a soberania do país está em risco?

LERP – A situação vem se agravando desde o início dos anos 90. Sempre houve o interesse internacional pelos recursos da Amazônia, não pelas árvores, mas pelos recursos. A partir dos anos 90, com o discurso ambientalista, aconteceu no Rio de Janeiro o evento que ficou conhecido como Eco92. Havia uma campanha internacional que ameaçava de boicote o evento, caso não fossem demarcadas reservas indígenas, em especial uma reserva para a tribo ianomâmi, que fica em uma área na fronteira do Brasil com a Venezuela. Tentou-se forçar a barra para a demarcação de uma área do tamanho de Portugal, em território brasileiro, e uma área muito menor em território venezuelano. Nesse local existem etnias ianomâmis tanto no Brasil quanto na Venezuela. Essa ação facilitaria a ingerência internacional para uma gestão compartilhada, pois trata-se de área indígena e de preservação em dois países, o que levaria então a uma gestão internacional. E o então presidente [Fernando] Collor demarcou essa área, localizada na calha norte do rio Amazonas, Estado de Roraima. A partir daí foi um tsunami de demarcações de terras, justamente na calha norte do rio Amazonas.

JM – Em que momento ocorreu, como o senhor classificou, este tsunami de demarcações de terras indígenas na calha norte do rio Amazonas?

LERP – Quem mais demarcou terra indígena em área de fronteira foi o governo Fernando Henrique Cardoso (1995/98-99/02). Depois foi o governo Lula (2003/06-07/10). Dessa forma, procura-se criar situação objetiva que no futuro vai facilitar a imposição de normas e regras internacionais. Em 1991 foi alertado que isso iria acontecer. E está estourando agora. Hoje, com o corredor Triplo A [começa nos Andes – Amazônia colombiana – e estende-se pela Venezuela e Brasil], estão querendo forçar um tratado internacional de manutenção e conservação de meio ambiente. E hoje a situação mudou, porque os governos Fernando Henrique e Lula – no de Dilma [Rousseff] nem tanto – tinham essa forma de ceder a pressões internacionais. Panorama que mudou no governo Bolsonaro, que disse: “Terra indígena, terra brasileira!”. E vamos desenvolver a terra indígena, desde que o índio tenha participação. De repente, veio toda essa movimentação internacional, inclusive com a participação do papa. Então, essa campanha toda é porque deixaram de ter um governo que os apoiava e passou-se a ter um governo que os combate.

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