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A força da relação socioafetiva frente à ação negatória de paternidade

Publicado em 23/10/2021 às 18:40Atualizado em 19/12/2022 às 01:33
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Casos não raros, o pai registral deseja negar a paternidade que outrora houve por bem em reconhecer, deliberadamente, objetivando a anulação do registro de nascimento do “então” filho, por erro.

Todavia, a história não é tão simples como parece ser.

Mesmo se embasando no forte argumento de um resultado pericial – o exame de DNA – em que pese concluir não ser o pai registral o pai biológico do “filho”, o entendimento, não só da legislação nacional, mas também das decisões dos Tribunais e da Corte Superior, é proteger a relação socioafetiva desenvolvida entre os envolvidos.

E, assim, a Corte Superior, em recente julgado, decidiu que, para o êxito da ação negatória de paternidade cumulada com anulação de registro de nascimento, é necessária a prova do erro ou falsidade do ato registral. E quanto à prova do erro exige-se que seja indiscutível esta indução, além do que é exigida a inexistência de relação socioafetiva entre este pai com o filho.

A contradição vivente entre a declaração no registro de nascimento e o resultado do exame de DNA não é suficiente para anular o reconhecimento da paternidade.

Mesmo que comprovado o erro havido quando do registro, se houver prova inconteste da relação socioafetiva e se esta for por tempo razoável para o desenvolvimento de ligações parentais e inclusive da formação da personalidade do “filho”, o insucesso da ação negatória é previsível.

O direito de família na atualidade visa preservar os sentimentos originários e desenvolvidos pela relação parental, mesmo que entre pessoas que não têm qualquer liame sanguíneo. Pois o entendimento das ciências que estudam a construção da personalidade, e ainda em respeito ao princípio da dignidade humana, é de que não se pode reduzir as relações desenvolvidas entre as partes simplesmente com a alegação de erro daquele que reconheceu, desprezando e desvalorizando as relações de afeto que se criaram e desenvolveram ao longo da parentalidade.

Por óbvio, e até mesmo por moralidade, aquele que acolheu a paternidade que lhe foi revelada, mesmo que por erro, desenvolveu com o registrado relações, laços e ligações emocionais que supostamente nenhum erro irá destruir.

O que vale concluir: que a lei está sopesando o erro e valorando mais o afeto nas relações parentais, determinando a continuidade do registro em casos que se busca a sua anulação por erro.

E não poderia mesmo ser de outra forma: o sentimento desenvolvido pela relação parental deve mesmo prevalecer.

Em verdade, quando um ser humano é acolhido como filho, quer seja em razão dos laços sanguíneos ou não, estamos sendo recebidos para o exercício da paternidade, e esta deve ser respeitada independentemente da nossa origem.

Dra. Mônica Cecílio Rodrigues

Advogada, doutora pela PUC-SP e professora universitária

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