ARTICULISTAS

Se ela me trair eu a mato

Heloisa Helena Valladares Ribeiro
Publicado em 08/04/2021 às 19:19Atualizado em 19/12/2022 às 03:59
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Estamos no Século XXI, época em que a tese da legítima defesa da honra nos crimes passionais não deveria mais servir como tese absolutória. Se o comportamento da mulher destoa do desejado pelo matador, isso é motivo para a prática do feminicídio.

O STJ já decidiu que “o marido que mata para conservar um falso crédito, na verdade, age em momento de transtorno mental, e não em defesa da honra” in REsp 1517-PR, rel. Min José Cândido, j. 11.03.1991.

O Brasil, infelizmente, é campeão em feminicídio em virtude de uma cultura extremamente machista, de desrespeito à mulher. O companheiro entende que a companheira lhe pertence e que pode matá-la para lavar a sua honra.

Até 2021, o Tribunal do Júri podia condenar ou absolver por puro e simples preconceito, por ideologia machista, hierárquico-patriarcal, fundado na tese da legítima defesa da honra.

Feminicidas eram absolvidos. Essa chaga recente atinge mulheres de todas as classes sociais e tem como autores pessoas ditas “normais”, “de bem”, “autoridades”.

O adultério nunca poderá legitimar a morte de quem o pratica, pode sim pôr fim à relação afetiva por justa causa; quando ainda se discute a “culpa” no término do casamento civil e da união estável.

Destaca-se que a violência doméstica e familiar cresceu durante a crise da pandemia da Covid-19, que apregoa o isolamento social.

São dois os tipos de crimes praticados contra a mulher: o feminicídio, quando o autor mata a mulher por sua condição de sexo feminino, bem como, quando o crime envolve violência doméstica e familiar, ou, ainda, quando há menosprezo ou discriminação à condição de mulher, e o femicídio, quando o autor mata uma mulher por outras motivações, como, por exemplo, motivo fútil ou torpe, meio insidioso ou cruel, como emprego de veneno, asfixia, tortura, além de outras.

Essa situação irá mudar quando o Partido Democrático Trabalhista (PDT) ajuíza a ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 779 MC/DF, com pedido de medida cautelar a fim de se afastar a tese jurídica da legítima defesa da honra e se fixar entendimento acerca da soberania dos veredictos nos crimes de feminicídio.

O relator da ação, ministro Dias Toffoli, apresentou seu voto no início do julgamento, em 05/03/2021, frisand “Não obstante, para além de um argumento atécnico e extrajurídico, a “legítima defesa da honra” é estratagema cruel, subversivo da dignidade da pessoa humana e dos direitos à igualdade e à vida e totalmente discriminatória contra a mulher, por contribuir com a perpetuação da violência doméstica e do feminicídio no país”.

O Ministro cita os dados estatísticos do Mapa da Violência no Brasil de 2015 relativo a homicídio de mulheres que já registrava o país como sendo o detentor da 5ª maior taxa de feminicídios do mundo.

O STF, por unanimidade, referendou a concessão parcial da medida cautelar para: entender que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero; excluir legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa e obstar à defesa que sustente, direta ou indiretamente, a legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como no julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.

No dizer de Alice Bianchini: Legítima defesa da honra é uma licença para matar mulheres. Não é mais.

Heloisa Helena Valladares Ribeiro - Presidente do IBDFAM Núcleo Uberaba - @heloisaribeiro1704 @ibdfamnucleouberabamg

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