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As regras do testamento que não podem ser flexibilizadas

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 30/11/2020 às 09:05Atualizado em 18/12/2022 às 11:03
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Não raro podemos encontrar na Corte Superior alguns julgados menos rígidos quanto aos requisitos para a feitura do testamento, quer seja ele público ou particular. E como exemplo podemos citar: o número de testemunhas, a substituição de assinatura formal pela impressão digital etc.

Estas concessões visam a atender e a preservar a disposição de última vontade, mas sempre avaliando o ocorrido para que não comprometa a validade do ato, como um todo.

Entretanto, alguns requisitos formais na composição do documento acabam sendo vitais para a sua validade, frente a própria natureza do ato que se trata. E no caso sub examen, o testamento público tem como característica principal a sua confecção por escritura pública e de responsabilidade do tabelião; ou seja: a sua lavratura, visto tratar de documento público, com requisitos diferenciados do particular.

A falta de assinatura do tabelião, denominado de requisito extrínseco, mácula e caracteriza vício grave, levando até mesmo a comprometer e colocar em dúvida a verdadeira vontade da testadora o que por si só já é capaz de conspurcar o documento.

No caso examinado, o litígio transcorreu em razão da existência de dois testamentos, ambos públicos, um que favorecia o viúvo e outro que favorecia a irmã da falecida. Todavia, o que beneficiava a irmã, feito posteriormente, não continha a assinatura do responsável pela confecção da escritura – o tabelião. Em sede recursal, os desembargadores já vislumbraram que o ato jurídico, se assim pode ser chamado, feriu frontalmente a legislação brasileira em confronto com a exigência da assinatura que deve conter no documento público, o testamento. Além de outros requisitos que por via de consequência acabaram não sendo cumpridos, a exemplo da leitura em voz alta perante as testemunhas instrumentárias pelo tabelião etc.

O testamento, documento por excelência, composto de regras rígidas e formas essenciais, para a sua validade e eficácia, haja vista que o resultado prático é assegurar o cumprimento da disposição de última vontade do testador e não haverá possibilidade de sua manifestação para a confirmação de qualquer de suas cláusulas, pelo simples fato de que não estará mais entre nós quando for levado a efeito.

Mesmo que analisado, pari e passu, existem regras essenciais que particularizam cada tipo de testamento e que não podem ser flexibilizadas, sob pena de macular o documento e até mesmo acabar confirmando a validade de um ato viciado.

No testamento público, a sua diferenciação se encontra na própria substância do ato, na publicidade do documento e na fé pública que carrega este tipo de documento, que poderá pesar sobre outras circunstâncias que são exigidas para a confecção do testamento, tais com a capacidade da testadora, a segurança da sua existência, razão pela muitos escolhem este tipo de disposição, pela segurança jurídica que se impõe.

Não podemos esquecer que o testamento requer seja feito por agente capaz, o objeto seja lícito e pela forma prescrita e não defesa em lei, conforme exige a Lei Civil; e neste caso a forma prescrita em lei não foi cumprida, visto que a lei exige, expressamente, a assinatura do tabelião que presenciou e registrou o negócio jurídico, pois goza de fé pública e confere legitimidade ao ato.

A falta de cumprimento do requisito extrínseco - assinatura do tabelião quando se trata de testamento público -, abala realmente a segurança natural do documento, caracterizando grave vício da forma, que não pode ser permitida, sob pena de comprometer a destinação dos bens da falecida.

De um lado, como já dito, algumas regras podem até ser flexibilizadas, quando não maculam o ato na sua confecção; mas, de outro norte, a Corte acerta quando decide que pelo tipo de disposição de última vontade não poderia haver permissão judicial para aceitar um documento que não cumpre, quando de sua confecção, as exigências vitais para a sua validade, sob pena de estar dando validade jurídica a ato inexistente e portanto, neste caso, sem eficácia.

Dra. Mônica Cecílio Rodrigues – advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária. https://www.monicaceciliorodrigues.com/

 

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