ARTICULISTAS

Inconstitucionalidade do bloqueio de bens sem decisão judicial

Sérgio Bilharinho
Publicado em 29/11/2020 às 20:10Atualizado em 18/12/2022 às 11:04
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Recente previsão legal, estabelecida por meio da Lei 13.606/2018, inse-riu na Lei 10.522/2002 regra que trata da possibilidade da Fazenda Pú-blica averbar a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto e penhora, tornando-os indisponíveis.

Desse modo, a Fazenda Pública poderá, após inscrito o crédito em dívi-da ativa da União e notificado o devedor para, em até cinco dias, efetu-ar seu pagamento, bloquear seus bens sem o devido processo legal e sem ordem judicial.

Entretanto, é clara a violação aos preceitos constitucionais da reserva de lei complementar para o estabelecimento de normas sobre crédito tributário, do devido processo legal e reserva de jurisdição, do contradi-tório e ampla defesa, do direito de propriedade, da livre iniciativa e da isonomia.

Ademais, a indisponibilidade de bens está inserida na reserva constitu-cional de jurisdição, entendida como o conjunto de medidas que somen-te podem ser praticados pelo Poder Judiciário, com exclusividade. Nem mesmo as comissões parlamentares de inquérito ou o Ministério Públi-co podem determinar o bloqueio de bens sem a interferência do Judiciá-rio. Nesse sentido, pronunciou-se o ministro Celso de Mello, do Su-premo Tribunal Federal: “o postulado de reserva constitucional de ju-risdição importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistra-dos, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explí-cita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem haja eventualmente atribuído o exercício de poderes de investigação pró-prios das autoridades judiciais”.

A mudança na legislação permite à Fazenda Pública, portanto, regular e decretar administrativamente, ou seja, sem decisão judicial, a indispo-nibilidade de bens de contribuinte particular devedor à União.

Deve ser lembrado, ainda, que o próprio Código Tributário Nacional, que institui leis gerais de direito tributário, estabelece que somente ao juiz é dado o poder de tornar indisponíveis bens e direitos do contribu-inte devedor, assim mesmo, apenas após o exaurimento dos meios de busca de bens penhoráveis por parte do credor.

Assim, nos termos do Código Tributário Nacional, a indisponibilidade de bens e direitos exige a observância dos seguintes requisitos: citação do devedor tributário; inexistência de pagamento ou apresentação de bens à penhora no prazo legal; não localização de bens penhoráveis após esgotamento das diligências realizadas pela Fazenda; e requeri-mento ao juiz de acionamento dos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, sob pena de, em não os observando, violar os princípios constitucionais acima referidos.

Inclusive, a norma em comento atinge os devedores de boa-fé, cujos bens são conhecidos e declarados, além de gerar prejuízos à atividade econômica, em especial aos pequenos e médios empreendedores, os quais possuem condições reduzidas de defesa jurídica contra investidas do Poder Público.

Face às inúmeras inconstitucionalidades, a lei que permite bloqueio de bens de devedores da União é objeto de três Ações Diretas de Inconsti-tucionalidade, ajuizadas pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Partido Socialista Brasileiro (PSB), Associação Brasi-leira de Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados (Abad).

Sérgio Bilharinho

Advogado

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