ARTICULISTAS

Leitura de jornais

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 23/11/2020 às 18:41Atualizado em 19/12/2022 às 05:50
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Nos anos 1970, eu morava em São Paulo. Tentava estudar, concluir o ensino médio, entrar numa faculdade e aprender um monte de coisas. Eu era displicente e conectado, por incrível que pareça! O conhecimento do mundo tem de estar integrado à ciência, à literatura, às humanidades, às artes. Como a maioria dos adolescentes da época, meus amigos e eu éramos curiosos, ávidos por apreender tudo o que era possível, da culinária à política, passando por temas espinhosos, como sexualidade, relacionamentos amorosos e assuntos etílicos.

Uma das atividades que nos mobilizavam era ler jornais. Mesmo sem ter muita grana, assinávamos três periódicos, entre eles um jornal famoso à época; os demais faziam parte da chamada “imprensa alternativa”. Queríamos ler matérias inovadoras, em termos do jornalismo que se fazia até então, com articulistas que caprichassem nas crônicas e nas análises políticas. Eram disputados por nós. No apartamento onde morávamos não batia sol, por isso, costumávamos ir a uma praça próxima para ler e aproveitar o calor do sol.

Já formado e casado, me mudei para o interior de Minas Gerais. O hábito de ler jornais permaneceu. Não eram os mesmos jornais, mas, durante trinta anos, recebemos em casa um grande jornal, de circulação nacional, três ou quatro revistas de divulgação científica e uma revista para as crianças. O “jornalão” chegava todo dia, debaixo da porta, menos aos domingos, pois não passava, de tão grosso.

Aos domingos, antes de tomar o café, eu abria a porta e pegava o jornal. Tomava café mastigando as manchetes, decidindo o que iria ler primeiro. Às vezes, se não fôssemos sair para algum compromisso familiar ou de lazer, passava a manhã toda lendo.

Uma vez lido, eu relutava em jogar fora o jornal. As revistas eram colocadas na estante; anos depois, foram doadas para a universidade. Ocasionalmente, se formava uma pilha imensa de jornais num canto. Eu aproveitava algum feriado ou uma folga na agenda para recortar o que me interessava. Guardei várias pastas com tais recortes. Ainda não cheguei à conclusão se fiz certo ao juntar aquilo tudo.

O tempo passou e, um dia, tomamos a decisão de não mais receber jornais ou revistas em casa. Decisão difícil, doída. Passamos a ler notícias e artigos pela Internet. Ah, a Internet! O digital, a informática, o meio eletrônico… Um mundo novo! Confesso a vocês: sinto falta do jornal nas mãos! Mais do que uma experiência sensorial, isso me dava uma sensação de conjunto, a possibilidade de escolher a sequência da leitura, de decidir o que ler num contexto que ia além da diagramação das páginas, sem falar das entrelinhas; as informações estavam conectadas, interligadas de forma intencional e instigante. O digital tem outra lógica, ele fragmenta a informação, confunde e asfixia o todo num jogo intertextual obscuro. O que se quer ocultar? Será que o mundo digital nos esconde algo?

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