ARTICULISTAS

O Poder Judiciário e a Pandemia

Aurélio Wander Bastos
Publicado em 09/07/2020 às 07:13Atualizado em 18/12/2022 às 07:43
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O Poder Judiciário está diante de um dos maiores desafios de sua atualidade: o grande volume de processos concentrados em toda sua estrutura de organização e instâncias, que ultrapassam a um total de 105 milhões, numa equivalência de 2 (dois) processos por brasileiro (num total de 210 milhões de brasileiros), que provocam o mais efetivo congestionamento de sua história, agregando o seu passado funcional e os presumíveis efeitos judiciais após a calamidade da Pandemia do coronavírus, com grandes índices de incidência, que, no curto e médio prazo, que prometem inundar, principalmente, as instâncias de 1° (Primeiro) Grau, com recurso às instâncias superiores, devido aos efeitos da desagregação social que provocou em todos os níveis nas relações jurídicas.

A combinação destes dois fatores poderá provocar uma maçante judicialização de demandas, que exigirão, dos poderes da República, muito especialmente do Poder Judiciário, imediatas medidas que possam evitar a desarticulação da vida civil, especialmente nas relações familiares e nas questões que envolvam responsabilidade civil (objetiva e subjetiva); a desativação comercial, com o aumento do volume de pedidos de recuperação judicial, falências e ações de cobranças, com grandes efeitos sobre a vida econômica regular; conflitos trabalhistas, devido ao grande volume de reclamações dos empregados frente aos empregadores, essencialmente sobre demissões, que a mídia afirma que chegam a 6 (seis) milhões, e de indenização salarial e do seguro-desemprego. Afinal, na área tributária, onde estão em jogo direitos empresariais constitucionais e expectativas fiscais dos entes federados como IOF, IPI, Cofins, CSL, FGTS e Seguro-Desemprego e seguro INSS (União); IPVA e ICMS (Estado) e ISS.

Por outro lado, mas uma referência importante, estas siglas superiores demonstram o poder tributário e financeiro da União em relação aos Estados e municípios, justificando a situação de dependência e a alta concentração de poderes no federalismo brasileiro. Esta observação nos permite concluir que a crise pós-pandemia ocorrerá (como situação atual) e dependerá decisivamente da atuação financeira da União, também ao nível dos tribunais descentralizados e seus efeitos consentâneos, terão consequências extensivas sobre a funcionalidade do poder central, que já atravessa uma forte crise de estabilidade e reconhecimento institucional.

Nesta linha de raciocínio, verifica-se que a União, juntamente com Estados e Municípios, representa mais de 50% das ações que tramitam no Judiciário, sendo que às empresas cabe um percentual de 45%, restando aos tradicionais dissídios, que no passado foi dominante, de natureza interindividuais, cerca de 5%, distribuídos entre as grandes cidades, cabendo aqui ressaltar o locus dos maiores índices de latrocínio, as cidades médias e pequenas comarcas.

Basicamente, estes problemas de natureza financeira repercutirão sobre as (ou nas) pequenas e médias empresas, que exigirão maior disponibilização de recursos pelos Bancos, especialmente públicos, que já vêm dando cobertura financeira de sobrevivência a desempregados, trabalhadores informais e aqueles que dependem do benefício da bolsa família.

O crescimento do processo de judicialização aumentará o congestionamento judiciário e exigirá efetivas políticas de achatamento da curva judiciária do congestionamento, e uma certa impermeabilização do acesso processual através de médicas externas de conciliação e negociação prévia, sem que o Judiciário assuma posições finalísticas ou de determinação, mas, ao contrário, produza decisões preventivas que viabilizam a solução de conflitos sem a sua exata interveniência burocrática, mas em função de pareceres, que, respeitadas as suas competências judiciais, encaminhem para evitar a judicialização dos conflitos, fazendo valer, principalmente na área trabalhista, com as cautelas que cabem, a Lei n° 936, de 1° de abril de 2020, que cria o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e permite a renegociação do contrato.

No Brasil temos um nível de litigiosidade que passa de 60%, enquanto nos Estados Unidos este índice não chega a 10% em função das efetivas opções pela conciliação e mediação, evitando-se a interferência judiciária na resolução de conflitos e favorecendo a alta utilização da internet. É preciso reconhecer que as mudanças digitais transportam a navegação dos mares para a internet, viabilizando uma agilização maior da economia para evitar a queda brutal do Produto Interno Bruto (PIB) de menos (- )2,5% para como, se a anuncia, para (-)5,2.

Neste sentido, complementarmente, devemos considerar a grande quantidade de ações Judiciais e, nesta linha, os tribunais devem fortalecer os precedentes, as situações consolidadas para proteger a boa-fé, ampliando inclusive o princípio do ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido. O STF precisa, neste momento de crise, assumir uma posição de protagonista, respeitando os princípios jurídicos e a posição hegemônica do Legislativo na produção de leis, do Executivo na sua execução e ver no próprio Judiciário sua interpretação em função não apenas da rigidez legal, mas também da sociedade.

Finalmente, cada vez mais, aumentam no Judiciário questões que envolvem o problema da Pandemia, exigindo que o Judiciário contribua para equilibrar as relações jurídicas contratuais, viabilizando as negociações e fortalecendo os mecanismos prévios de negociação contratual nas áreas interindividuais com aluguéis, mensalidades escolares, taxas condominiais, prorrogação de prazos, desde que comprovado o inadimplemento em função da Pandemia. Afinal, independentemente dos esforços de toda a sociedade, está nas mãos do Judiciário contribuir para encontrar os caminhos da recuperação social através da solução dos conflitos, tendo em vista a imposição aleatória da crise econômica.

Aurélio Wander Bastos

Professor titular emérito – UniRio

Este artigo é uma leitura pessoal de aspectos jurídicos da live promovida pela Revista Justiça e Cidadania e O Globo com a participação do ministro do STF Luiz Fux e do ministro do STJ Luís Felipe Salomão; do presidente da CNI, Robson Andrade, do ex-presidente do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, e com participações especiais do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, e do ex-presidente da CNI, Armando Queiroz Monteiro Neto. Coordenada por Tiago Sales

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