ARTICULISTAS

E as crianças perderam tudo!

Ilcéa Borba Marquez
Publicado em 08/07/2020 às 06:59Atualizado em 18/12/2022 às 07:39
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É muito difícil propor uma reflexão sobre o sofrimento infantil, por ferir diretamente o desejo incondicional de preservá-las de toda dor inevitável ao viver numa sociedade caótica, dividida e incompreensível. Ouvi o relato de uma mãe cujo filho de 9 anos fez o seguinte comentário ao visitar sua escola depois de quatro meses de isolamento social e proibição de funcionament “Nossa! Parece que um furacão passou por aqui!”. Essa fala surpreendente nos diz de uma verificação de destruição massiva do espaço em total desacordo com a representação interna prenhe de significados afetivos de prazer e alegria registrados anteriormente.

A literatura médica informa um número baixo de crianças depressivas que poderíamos considerar insignificante e até mesmo dizer que a ocorrência de depressão infantil seria exceção e não regra. No entanto, a atualidade prova-nos situação distinta com muitas crianças externalizando seu forte sentimento de perda nas interrupções significativas de desenvolvimento de aquisições importantes para a independência e autonomia. Crianças que subitamente tornam-se choronas e apegadas às figuras centrais da sua vida. Outras que mudam sua relação com a comida, o sono, os irmãos e outros da sua convivência imediata. Nas diversas situações, um único significad a dor do luto diante de todas as perdas vivenciadas – a escola, os amigos, as praças, os shoppings, a casa dos avós, os primos e parentes com as diversas oportunidades de festas para comemorar aniversários, nascimentos, batismos, etc. Nem mesmo a frequência aos cultos e celebrações religiosas têm sido liberados para crianças até 12 anos, com justificação racional e plausível.

Apesar da dificuldade, torna-se imperioso voltar nossa atenção aos pequenos que sentimo-nos obrigados a proteger de toda e qualquer dor, de todos os perigos. O mundo animal está pleno de cenas onde a conhecida “agressividade materna aos predadores da sua ninhada” apresenta-se e é facilmente reconhecida e aceita. A criança está em perigo. Perigo de adoecer de tristeza ao submeter-se totalmente ao luto repetitivo com suas dores e necessidades de adaptação. A fala acima relatada que deu início às nossas reflexões exemplifica uma percepção sensorial completada subjetivamente com algo que foi vivenciado, experimentado afetivamente, desejado ou temido. As percepções acontecem em direções duplas – do perceptivo ao projetivo, do projetivo ao vivido, onde aparecem as modalidades de ação, de relação do sujeito com as diferentes situações com as quais ele é confrontado, e por isso de extrema importância ao nosso conhecimento.

Psicóloga e psicanalista

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