ARTICULISTAS

Horários e rotinas na pandemia

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 01/07/2020 às 06:58Atualizado em 18/12/2022 às 07:28
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Confesso que a pandemia e a quarentena bagunçaram minhas opiniões a respeito do cotidiano, dos horários e dos costumes arraigados. Ocorre que o cotidiano é matéria-prima da crônica. Algumas pessoas conseguem se adaptar com facilidade às mudanças, outras brigam durante um bom tempo com os fatos, sem falar das desigualdades e das carências históricas que afligem nosso povo e que foram escancaradas no processo. O cotidiano tornou-se uma incógnita de difícil entendimento. Teremos de refazer nossos passos. Rotinas marcadas por antigos métodos, por tradições, por velhas práticas e hábitos familiares, muitas delas inúteis, foram abaladas pela pandemia. Aos trancos e barrancos, acabaremos por nos acostumar a isso que alguns chamam de “novo normal”. Difícil é saber quando e como.

Nos últimos meses, tenho feito um esforço danado para tentar entender as transformações em curso, por causa da pandemia. Estão em jogo mecanismos culturais, econômicos, políticos, sociais, convicções filosóficas, hábitos, vícios e um turbilhão de sensações difíceis de compreender. É a crise. É a pandemia, que alterou tudo como um vendaval emocional. Algumas pessoas têm mais dificuldade de adaptação, são incapazes de ler o mundo que os cerca; outros já estão se acomodando às novas regras – e há os que simplesmente não têm possibilidades materiais de “se adaptar”.

Sociólogos já se debruçaram sobre a questão das rotinas e das normas estabelecidas. Alguns as associaram à necessidade de “domar” os corpos e as mentes aos comportamentos exigidos pela linha de produção na indústria moderna. Outros vincularam os rigores dos processos formais e mecânicos ao próprio desenvolvimento do capitalismo. Talvez isso venha de longe, das cadências estimuladas pelas práticas religiosas e familiares medievais. Sua origem talvez esteja no suceder das estações do ano ou ligada aos ritmos climáticos e agronômicos relacionadas ao plantio, aos tratos culturais e à colheita dos gêneros alimentícios. É certo que os ritmos e as cadências se transformam com o passar do tempo. Os estudiosos do assunto dizem que cada um de nós tem seu próprio relógio biológico, relógio que também é cultural e social. É inevitável reconhecer as dificuldades e facilidades quando o assunto são as adaptações às mudanças. Quando o terreno é a política, as deficiências são nítidas.

A questão é crucial nas escolas. Às vezes, penso que algumas existem apenas para ensinar os estudantes a obedecerem horários e determinados padrões de conduta. O problema está tão entranhado na cultura educacional tradicional que é fonte constante de insatisfações e tristezas. Infelizmente, algumas escolas e visões pedagógicas demoram a alterar suas concepções sobre ano letivo, aprovação, reprovação, rendimento escolar, aprendizagem e relacionamentos interpessoais. O que me preocupa e instiga são as transformações repentinas e inesperadas, como as que estão em curso – sobre as quais continuarei me debruçando enquanto cronista.

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