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O melhor emprego da minha vida

Mário Salvador
Publicado em 02/06/2020 às 07:17Atualizado em 18/12/2022 às 06:45
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Há uma semana, assumi um serviço singular, embora sem carteira assinada: cuidar, em tempo integral, de um filhote acidentado de beija-flor. Eis a história.

Quando me despedia de minha filha Beatriz, na frente de casa, apareceu um generoso vizinho com um filhote de beija-flor recolhido, horas antes, na calçada de minha casa. O bichinho tinha uma asa quebrada. O vizinho cuidou da ave, porém, como tem dois gatos, não era prudente continuar com ela. Assim, preferiu colocá-la num galho de árvore da calçada de casa. Talvez a mãe o encontrasse e alimentasse.

Beatriz postou uma foto da avezinha no grupo da família. Depois de ver a foto, minha neta Vanessa, veterinária, recolheu o beija-flor, trouxe-o para dentro de casa, examinou-o, colocou-o na minha mão e registrou tudo em vídeo. “Bela cena”, disse ela. Em seguida, Vanessa deu-lhe néctar, que ele sugou repetidas vezes com o longo bico fino – um momento de emoção mágica. Dei a ele o nome de Beijinho.

Arriscando-se num voo pela sala, Beijinho desequilibrou-se e se chocou com a parede. Para ele se recuperar e poder voar, sem se machucar mais, Vanessa o pôs numa gaiola linda e docemente preparada, com néctar e vasinhos de flores naturais. E passei a cuidar dessa ave lindinha. Então, pus uma garrafinha de néctar sob uma samambaia da garagem, para a mãe do beija-flor se alimentar. E toda manhã, eu dependurava a gaiola do Beijinho sob outro vaso de samambaia também suspenso.

A mamãe beija-flor apareceu e, entre giros e paradinhas no espaço, sorveu o néctar e se aproximou da gaiola onde seu filhotinho a aguardava com o biquinho aberto para receber a refeição. A cena se repetiu várias vezes naquela hora e ao longo do dia: preocupada com o filhote, a mãe o alimentava incessantemente. Antes de chegar a noite fria, eu transferia a gaiola para um quente quarto fechado, onde Beijinho ficava também protegido da Bibi, minha gatinha, que estava de olho nele.

Uma tarde, Vanessa, sua mãe Angélica e eu contemplávamos o pequeno beija-flor. Ele estava fora da gaiola. A mãezinha dele entrou pela janela da sala em que estávamos. Ela alimentava o filhote, sumia dali por alguns minutos e voltava com mais comida. Quanto carinho e cuidado daquela mãe no socorro do filhote...

Em uma semana, a asa do bichinho parecia recuperada e ele já saltitava inquieto na gaiola. Vanessa, então, constatou que Beijinho estava pronto para bater as asinhas. Tirou-o da gaiola e o pôs no parapeito da janela do jardim. Enfim, ele estava livre. De repente, Beijinho voou e alcançou um galho alto do camará do jardim. Dali, partiu para longe, sentindo a própria energia, o voo, o vento, a vida...

Agora, cá estou eu, um humilde desempregado. Aliás, um desempregado muito feliz, vendo que a natureza recebeu de volta o Beijinho, e ele, a liberdade.

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