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Para quem vai a conta?

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 05/04/2020 às 21:36Atualizado em 18/12/2022 às 05:26
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Em razão da decisão oriunda do habeas corpus coletivo, beneficiando os devedores do crédito alimentar a cumprirem a prisão domiciliar, de início somente aos presos do Estado do Ceará; e, posteriormente, com o pedido de extensão, foi concedido o mesmo benefício a todos os presos do país, os que militam com o direito de família ficaram em estado de alerta.

Apesar da determinação contida na ordem judicial beneficiadora para que os respectivos juízes, de cada execução, acautelem-se para que seja cumprida a prisão domiciliar nos estritos termos do decreto originário.

Estamos, mesmo que por hora, frente a frente, com a incapacidade estatal de gerir a prestação jurisdicional no que diz respeito ao recebimento da pensão alimentícia.

De um lado a necessidade, premente, de modificar completamente a garantia de recebimento do crédito alimentar, concedendo ao devedor a possibilidade de cumprir prisão domiciliar ao invés do constrangimento ocorrer na modalidade legal, em razão do estado precário de nossas prisões, reconhecido pela Corte Suprema.

De outro lado, o credor, que via na prisão, a única, a última e a derradeira possibilidade (a ênfase se faz necessária), de receber o seu crédito com o decreto.

Nesta guerra de braços, em tempo de pandemia, vence a Vida que está frente a frente com o risco de contágio; ou seja, a do devedor.

Mas o que preocupa é o que vai acontecer depois...

Em uma visão prospectiva do inadimplemento alimentar, em tempos de COVID-19, caso termine o prazo de cumprimento da prisão domiciliar e o devedor não cumpra o pagamento da pensão inadimplida, para quem vai a conta?

E como muito bem podemos esperar a adimplência será mínima!

Surge então as normas constitucionais e os direitos humanos, dos Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário, garantindo a responsabilidade subsidiária, em razão da exceção pela qual estamos passando, para que possa arcar com um auxílio alimentar, neste sentido.

Por obvio, esta crise é de natureza excepcional e passageira.

Alguns podem até dizer que esta pandemia apenas agravou uma situação pré-existente, quanto a prestação jurisdicional, quer seja quanto ao recolhimento na prisão, quer seja na morosidade do processo de “cobrança” da pensão alimentícia.

O que sem sombra de dúvidas, exige mudanças rápidas, drásticas e cirúrgicas, para que não possa em momento algum afetar o que está sadio.

É claro que a população credora está aberta a alternativas, que sejam soluções plausíveis para o caso; entretanto, não podemos permitir que em vez de curar o remédio mate o paciente.

Como a necessidade é premente, porque quem vive tem fome e a fome urge, até por ser fisiológica; temos que olhar a volta e apreendermos com aqueles que parecem já prever a inadimplência e a necessidade de acolher o credor.

Pois bem, pelos princípios constitucionais que regem a nossa legislação cidadã e que devem ser aplicados ao direito de família, chegou a hora do Estado pagar a conta.

E como? Simples, pela mesma maneira que estão sendo abertas linhas de crédito para as empresas, apesar da expectativa de retorno econômico, nos devemos também pensar que deve ser aberta uma “linha de crédito” ao nosso credor necessitado e que não recebeu o pagamento cobrado, tendo o devedor se livrado pelo cumprimento da prisão domiciliar.

Que seja apenas das três últimas pensões inadimplidas e anteriores a prisão cumprida, mas que este credor possa receber um auxílio alimentar, direto e imediato, desde que preenchido os pressupostos para tal; porque, não podemos deixar ao desabrigo o futuro de nosso país – os menores.

Porque senão a conta no futuro vai novamente bater a nossa porta; e daí, esta conta pode ser muito maior!!!

Mônica Cecílio Rodrigues – advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária.

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