ARTICULISTAS

O débito alimentar em tempos de COVID-19

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 29/03/2020 às 20:13Atualizado em 18/12/2022 às 05:18
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Não é novidade que de há muito estamos acompanhando, no cenário jurídico, a ineficácia da prisão como medida coercitiva para o inadimplemento do débito alimentar.

Pelos julgados da Corte Superior, podemos encontrar decisões que mitigam o decreto prisional em decorrência do débito alimentar.

E não são poucas as decisões que entendem ter a prisão perdido a sua função quando o débito já se encontra em elevado valor ou senão quando o credor já atingiu a maioridade, durante a execução. E o Colegiado do Superior caminha por uma nova vertente que restaria infrutífera a prisão, uma vez que o débito estaria atingindo valores desnecessários e não atuais que justificassem a prisão.

Por hora e em razão da pandemia que se instalou, não só em nosso país, mas no mundo, a Corte Superior provocada, se manifestou a favor do remédio constitucional coletivo para ser aplicado no Estado do Ceará, seguindo-se as Recomendações nº. 62 do Conselho Nacional de Justiça, para evitar a propagação do COVID-19.

Fundamentada em decisão da Corte Suprema, que reconheceu a situação precária das penitenciárias brasileiras e frente ao elevado índice de propagação do vírus nas aglomerações, concedeu a possibilidade do cumprimento das prisões civis por devedores de alimentos em regime domiciliar.

Ressaltando na decisão que o Estado do Ceará será o responsável por regulamentar as condições de cumprimento desta prisão excepcional, em vistas de conter o contágio e via de consequência a pandemia.

Por hora, não nos cabe atirar qualquer argumento contra a concessão deste habeas corpus coletivo, haja vista que estamos sopesando a Vida em detrimento do pagamento do débito alimentar. E inquestionavelmente a Vida tem o maior peso.

Entretanto, o que nos transparece sem sombra de dúvida é a falibilidade do sistema judicial no tocante a medida coercitiva da prisão para o pagamento da pensão alimentícia.

O COVID-19 apenas acabou por concretizar que a prisão não é o meio mais adequado para compelir o devedor a acertar o débito; tanto isto é verdade que o próprio Superior Tribunal de Justiça muitas vezes já abrandou a pena com argumentos insustentáveis frente ao nosso sistema jurídico e ao total arrepio da Lei.

Temos que aprender que ao passar tudo isto, os operadores do direito devem encontrar uma maneira para solucionar o débito alimentar, pois a nossa cultura, apesar de se sustentar que o único débito que dá prisão são os alimentos, de nada está adiantando. Pois acaba restando infrutuosa.

Algumas perguntas, com certeza, irão ficar sem respostas, a exemplo de: qual seria outra maneira para compelir o pagamento? Estes devedores irão pagar os alimentos que ocasionou a prisão? E estas dívidas poderão ser, excepcionalmente, executadas de uma outra maneira? Como o Estado irá responder civilmente pela sua incapacidade de oferecer a prestação jurisdicional do que tange aos débitos alimentares?

Nós temos muito o que aprender com o acontecimento desta pandemia. Muito!

Ao fim e ao cabo, podemos encontrar outras decisões concessivas de habeas corpus coletivos em tempos do COVID-19, em diversos Estados Brasileiros, pelos respectivos Tribunais de Justiça; entretanto, o que nos chama a atenção é que talvez a decisão de concessão deveria prever que caso não ocorra o pagamento, poderia o Estado ser responsável por arcar com um valor, ao menos para reparar a sua incapacidade em cumprir a prestação jurisdicional ofertada ao credor do débito alimentar.

Pois, será uma surpresa e boa surpresa, se aqueles devedores adimplirem o débito para alcançarem a liberdade, mesmo depois de concedida a prisão domiciliar.

E como estamos tratando de uma exceção, poderíamos pensar a questão sobre a criação de um Fundo de Garantia, como exemplarmente goza deste benefício o credor lusitano!!

Só apenas ventilando uma ideia...

Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária.

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