ARTICULISTAS

Morte com classe

Esbelta em plena avenida / Esguia feito uma escultura / Ceifaram-lhe a valiosa vida

João Eurípedes Sabino
Publicado em 20/02/2020 às 19:18Atualizado em 18/12/2022 às 04:25
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Esbelta em plena avenida / Esguia feito uma escultura / Ceifaram-lhe a valiosa vida / E ela, responde com ternura. Bela árvore foi outrora / Sua sombra só fez o bem / Hoje esquelética deteriora / Diante da sanha de alguém. A tantos pulmões falta faz / Oxigênio não mais produz / Não reage porque inerte jaz. Animais são todos protegidos / Árvores protetoras nem tanto / Quadros iguais são esquecidos... 

Hoje tive a ideia de abrir esta crônica com o soneto “Morte com classe”, que me fluiu de relance ao passar diante do tronco ressecado de certa árvore postada num dos passeios da avenida Dr. Odilon Fernandes, grande benfeitor. A cidade? Uberaba/MG.

Tentei identificar o nome e a espécie, mas foi impossível diante do avançado grau de ressecamento com que o objeto se apresenta. Pareceu-me morte provocada por agente químico, tal é a uniformidade da lesão. Lembra-se da radiação atômica de Hiroshima e Nagasaki na II Segunda Guerra Mundial? Pois bem; dita árvore é o retrato vivo do episódio.

Ali a arte se estampa de forma esplêndida. Um objeto morto cede seu corpo à natureza e essa o transforma em troféu exposto às intempéries, até quando não se sabe. Digna homenagem ao seu algoz.

Bonito e triste. É o quadro com que se depara quem, com pouca sensibilidade, observa aquela “escultura” feita sem as ferramentas do homem. E eu, com tanta coisa para ver e escrever, vou me preocupar com o tronco morto de uma árvore? Não tinha outra coisa? Poderão até dizer.

Temos sim, muitas coisas. É que a aridez campeia em minha cidade, esta outrora cheia de árvores. Mais uma ou menos uma morrendo, tanto faz, até que sobrem uma aqui, outra ali. Depois, reclamamos do desequilíbrio climático insuportável.

Se eu pudesse, colocaria aquele finado tronco exposto em local estratégico (digamos num shopping?) para provocar a reflexão dos que gostam, ou não do meio ambiente. Todavia, ele deve ficar ali mesmo para acabar no local onde um dia foi plantado por mãos benfazejas. 

“Tentamos proteger a árvore, esquecidos de que é ela que nos protege”; frase do poeta Carlos Drummond de Andrade.

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