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O erro no registro de nascimento e a força do vínculo socioafetivo

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 01/12/2019 às 22:00Atualizado em 18/12/2022 às 02:26
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A filiação paterna, por vezes, é revelada pela mãe. Todavia, existe casos em que pode ocorrer equívoco, por erro ou até mesmo dolo, trazendo consequências posteriores que deverão ser solucionadas pelo Poder Judiciário se forem a ele apresentadas.

No registro de nascimento constam os ascendentes, em primeiro e segundo grau, conforme declaração do próprio pai registral, ou por determinação judicial ou por registro de outro meio idôneo, a exemplo de reconhecimento feito pelo testamento.

Entretanto, pode haver erro ou até mesmo vício do consentimento quando declarado espontaneamente, onde a verdade biológica não corresponder a verdade fática, conforme restou comprovada após o exame pericial do DNA.

Entre as variáveis existentes, o registro pode ter ocorrido com a declaração do ascendente com a ciência de que inexistia o vínculo biológico e posteriormente houve o arrependimento e agora o desejo de desfazer este registro.

Como o Poder Judiciário está resolvendo a questão? Um registro de paternidade, com reconhecimento voluntário e que após a realização do exame de DNA restou comprovado que a filiação não corresponde a verdade documental?

Existe uma premissa muito importante para ser analisada nesta ação de desconstituição da paternidade.

A relação paterno-filial socioafetiva.

Pois bem, partimos do pressuposto de que, efetivado o registro, foram também fixados alguns parâmetros entre esta nova relação filial. Posto que, se derivada de uma relação existente dentro de uma família composta pelo casamento ou pela união estável entre os genitores, o convívio entre o pai e o suposto filho reconhecido se deu naturalmente, sem necessidade de qualquer intervenção ou estipulação judicial. De outro norte, se os genitores não compunham uma família, estes podem até não haver estipulado qualquer cláusula de convivência, mas haviam regras de visitas, guarda e pensão alimentícia que foram estabelecidas e cumpridas entre as partes maiores. E o tempo passou, a relação socioafetiva se formou.

A relação amorosa, afetuosa, com convivência publica, duradoura por longo período entre pai e filho se desenvolveu. Logo, não será de uma hora para outra, que o Direito ira permitir que por um simples exame de DNA, desconstitua todo o afeto construído ao longo do tempo, em total desrespeito ao sentimento da criança e desconsideração a sua dignidade como pessoa que criou afeto aquele pai, reconhecendo como seu ascendente e que agora, simplesmente, quer por um fim em tudo, como se nada tivesse existido!!

A jurisprudência é pacífica na Corte Superior que provada a existência da convivência pública, duradoura por longo período da relação filial não será possível a desconstituição mesmo que com o exame de DNA fique comprovado a inexistência da relação biológica.

Aqui impera a relação socioafetiva, ainda que existente um erro ou vício de consentimento.

E mesmo que se tenha a ciência prévia e inequívoca da inexistência do vínculo biológico fica impedida a subsequente modificação se restar provada a relação socioafetiva, ainda mais se provar que o registro foi de forma voluntária, livre de erro ou de vício de consentimento. Ou se o registro civil de nascimento foi feito pelo pai com a convicção de que existia vínculo biológico, e que caracterize erro substancial, somente estará apto a cancelar o registro se não houver paternidade socioafetiva.

Pois a paternidade socioafetiva deve sobrepujar ao exame negativo da paternidade, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, que resguarda os direitos da personalidade.

Pura questão de bom senso!!

Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária.

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