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A possibilidade de usucapir entre os coerdeiros

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 19/08/2019 às 06:52Atualizado em 17/12/2022 às 23:33
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Quando ocorre o falecimento de alguém deixando herdeiros, quer seja aqueles nominados pela lei ou aqueles instituídos pelo testamento, os bens que são objeto da herança fazem parte de uma universalidade, de uma totalidade, chamado de acervo hereditário, em razão de estarem ainda indivisos.

Este condomínio, assim chamado entre os coerdeiros, do acervo hereditário rege-se pelas regras que dizem respeito ao condomínio comum, até que se ultime a partilha, ou seja: a divisão dos bens entre os sucessores.

Apesar destes bens estarem indivisos, ainda, podem ser objeto de usucapião pelo coerdeiro, desde que preenchidos os requisitos que a legislação exige, tais como o tempo, a posse exclusiva com efeito animus domini e sem oposição dos outros coerdeiros, podendo mesmo pleitear a usucapião, em seu nome próprio.

Esta solução foi dada pela Corte Superior ao caso fático, em analise ao recurso especial interposto pelo coerdeiro, quando a decisão de primeiro grau e o Tribunal Estadual acharam por bem em extinguir a ação, não resolvendo o mérito; o primeiro ao fundamento de que não há possibilidade de um coerdeiro arguir a prescrição aquisitiva contra outro coerdeiro, pois o bem a ser inventariado está ainda indiviso, até que finalize a partilha e ai sim nasce a possibilidade desse requerer a usucapião, com um condomínio direto.

E continua o juiz sentenciante, em total desencontro com a lei, que mesmo feita a prova de que é possuidora de boa-fé, pelo prazo legal, sem oposição do outro herdeiro, não existe a permissão de adquirir a propriedade pela usucapião, sendo a inércia dos coerdeiros mero ato de tolerância. E estes atos não induzem posse necessária para a aquisição.

Por obvio, esta decisão não foi acertada e mereceu reforma da Corte Superior, haja vista que a letra da lei é clara quando determina que as regras dos bens a serem inventariados, quando ainda pender a partilha, serão regulamentados pelos direitos condominiais.

E embasando em outras decisões a própria Corte ao apreciar o recurso especial interposto, verifica que a correção ao erro havido na prestação jurisdicional de primeiro grau urgiu ser feita.

Atentem que a posse deve ser exclusiva de quem pretende usucapir e não mera detenção ou exercício da posse em nome dos outros coerdeiros.

A solução acerta do Tribunal Superior em reconhecer o direito de usucapir pelo coerdeiro possibilitou a produção das provas necessárias para comprovar os requisitos da prescrição aquisitiva no juízo de primeiro grau, corrigindo assim o equivoco cometido; e por fim a condição de demonstrar em juízo o cumprimento de todos os pressupostos para usucapir.

O que provoca indignação é existirem resultados judiciais que são, flagrantemente, contrários a letra expressa da lei.

E neste caso é patente, posto que a lei é clara ao tratar dos direitos entre os coerdeiros determinando que as regras a serem seguidas são as do condomínio, devendo ser provada que o exercício para a aquisição é individual e não como representante do acervo ou mera tolerância do demais.

Por fim, o resultado do julgado foi a possibilidade da dilação probatória ao recorrente para fins de comprovar os requisitos do direito pleiteado - a usucapião – no juízo inicial.

Diríamos que agora sim a justiça foi feita, dando ao coerdeiro o direito de provar o exercício da posse de boa-fé, pelo tempo que a lei exige, sem qualquer oposição; e nada disto precisaria acontecer se ao apreciar o caso concreto não tivesse o julgador distorcido a letra da lei, quando justificou não ser possível a usucapião entre coerdeiros.

A prestação jurisdicional quando não reconhece a legitimidade dos coerdeiros em requerer usucapião tira-lhes o direito que está assegurado na lei, razão pela qual deve ser corrigida imediatamente.

Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil e professora universitária.

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