CIDADE

Rede de apoio à adoções legais zera número de abandonos de crianças em Uberaba

Desde a criação do programa Entrega Legal, a cidade não registrou desamparados

Letícia Marra
Publicado em 30/06/2022 às 16:19Atualizado em 18/12/2022 às 21:52
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Todos os dias, três crianças são entregues voluntariamente para a adoção no Brasil. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2020 a maio de 2022, foram registradas 2.734 entregas legais. Em 2021, somente uma mulher concluiu a entrega desse tipo em Uberaba.

A entrega legal entrou em evidência após a atriz Klara Castanho, de 21 anos, ter sido exposta, de maneira pejorativa e contra a sua vontade, por realizar o procedimento. A jovem foi vítima de estupro e descobriu a gravidez de forma tardia. Dessa forma, procurou a Justiça para garantir que a criança fosse adotada por outra família.

O trâmite, previsto pela lei, não configura crime nem abandono. Mas a divulgação dessa informação, como aconteceu com a atriz, é proibida. Apesar de legalizado, e apoiado pelos Tribunais de Justiça, mulheres que optam pela entrega voluntária sofrem constrangimentos e são coagidas a desistir da ideia.

O número de entregas legais poderia ser maior, se houvesse maior conscientização sobre o tema, segundo especialistas. O estigma sobre as decisões do corpo feminino ainda são um impedimento para que as mulheres tenham acesso a informação e saibam seus direitos.

Em outubro de 2018, em Uberaba, uma mulher foi presa, sob a acusação de ter deixado a filha recém-nascida em uma lixeira. A criança foi encontrada no início da noite anterior, pouco depois de ser abandonada dentro de uma bolsa, enrolada em um cobertor e ainda com o cordão umbilical. A mulher, de 25 anos, estava na cidade há dois meses e contou ter escondido a gravidez e feito o parto forçado em casa por medo de perder o emprego.

Casos como esse chamaram a atenção do grupo “Sinal Amarelo”, composto por profissionais da saúde, educação e assistência social, que discutiam sobre questões da maternidade, inclusive a entrega legal, naquele ano.

Em dezembro de 2019, o grupo lançou o Programa Entrega Legal, em Uberaba, implementado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), por meio da Coordenadoria da Infância e da Juventude (COINJ), que busca atender as determinações da Lei 13.509/17. O texto trouxe importantes alterações ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) acerca do direito das gestantes e mães de recém-nascidos a realizar, voluntariamente, a entrega do filho para adoção, após o nascimento.

A assistente social, e uma das autoras da cartilha do programa, Taiana Freitas, explica que, apesar de “escondidos”, esses casos existem e precisam ser analisados. “Não é que a demanda era baixa, era que não chegava até nós. Depois de discutir e mobilizar a rede, os casos começaram a chegar”, conta.

Desde a instalação do programa, o “Sinal Amarelo” presta apoio integral à gestante em Uberaba e região e a cidade não registrou nenhum caso de abandono de crianças. Segundo a assistente social, Angélica Gomes, e também uma das autoras da cartilha do programa, em 2021, somente uma mulher concluiu a entrega legal.

“Após o acolhimento e o acompanhamento, essas mulheres, às vezes, nem chegam a concluir a entrega. Muitas vezes, elas chegam com demandas que são resolvidas com acolhimento. O papel do programa não é convencer a entrega ou não, é instigar a reflexão na decisão responsável”, explica.

Angélica explica que, caso a mulher opte pela entrega legal, ela tem direito a sigilo. O único compromisso firmado é que a criança tenha direito à própria história.

Com o sucesso do “Entrega Legal”, em março de 2020, em Belo Horizonte, foi realizada a primeira capacitação do programa para o Estado e, pouco tempo depois, ocorreu todo processo de isolamento social devido à pandemia do Covid-19 e ele teve que ser parado. Em julho do mesmo ano, o material foi recebido, e no início de agosto, por meio virtual, o “Sinal Amarelo” realizou a capacitação da rede de atendimento na Comarca, a qual contou com cerca de 130 participantes, dos diversos serviços.

O Grupo de Apoio à Adoção de Uberaba (GRAAU) também está presente no Grupo Sinal Amarelo e presta apoio à essas mulheres, segundo a presidente Jussara Marra. “O que fazemos é a conscientização do que é a entrega legal, do não julgamento das mães que entregam e da necessidade de se falar da história da criança com ela, mesmo que ela tenha chegado recém nascida, em razão da entrega legal”, esclarece.

O fato de não desejar exercer o papel parental é um dos maiores dramas femininos e são inúmeras as consequências da ausência de suporte à mulher que vive tal sentimento. A dúvida quanto a permanecer com o recém-nascido é um fato real e se apresenta nos diferentes espaços da sociedade, inclusive, nos serviços de saúde, porém, muitas vezes, é subnotificado.

PROCEDIMENTO

Se a Vara da Infância já foi informada sobre essa decisão de entrega, deve comunicar ao hospital provável de nascimento para que também se prepare para acolher a gestante. Ela tem o direito de não amamentar nem ver o recém-nascido. Caso a manifestação de interesse de entregar a criança ocorra apenas na hora do parto, a maternidade deve acionar a Justiça para garantir que a entrega aconteça de forma legal. O bebê é encaminhado para acolhimento, enquanto a genitora confirma em audiência a intenção de entregar a criança. Só então o bebê é levado à família adotiva.

O processo visa evitar situações chamadas de "adoção à brasileira", quando um recém-nascido é entregue de forma irregular a uma família que se passa pela biológica. Segundo Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), ainda é comum que profissionais de saúde façam essa intermediação irregular, fora do olhar da Justiça. O problema disso é que nem sempre a família que recebe uma criança nessas condições está preparada ou tem boas intenções. Já as cadastradas na Justiça para adotar passam por cursos e avaliações psicológicas.

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