CIDADE

ENTREVISTA | O desafio é aliar desenvolvimento com preservação, afirma promotor

Eduardo Marins
Publicado em 16/01/2021 às 20:21Atualizado em 18/12/2022 às 11:49
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O promotor de justiça Carlos Alberto Valera foi reconduzido à coordenação regional das Promotorias Ambientais do Triângulo Mineiro, conforme divulgado pela Comissão do Meio Ambiente do Conselho Nacional do Ministério Público (CMA/CNMP). De acordo com o Conselho, os promotores selecionados para compor a equipe terão o compromisso de criar, cooperar, formatar e ajudar na evolução de projetos, metas, ações e iniciativas do colegiado. Valera está no cargo há mais de nove anos e explica que o Ministério Público criou, há 15 anos, nove regionais para atuar nas bacias hidrográficas. Ele conversou com o Jornal da Manhã e detalha assuntos importantes, como os desafios para os próximos meses, a discussão sobre a coleta seletiva, as regras ambientais para loteamentos, plano diretor, dentre outros. 

JM - Como o senhor assume novamente este cargo?

Carlos Valera - É um desafio eterno, já que precisamos conciliar o crescimento econômico com a preservação ambiental e, em determinados momentos, temos choques nestes interesses. Aí entra a atuação do Ministério Público para o cumprimento da legislação. Todos sabemos que existe uma Constituição Federal e o Artigo 225, parágrafo 3º, que estabelece que “Aquela pessoa física ou jurídica que comete algum dano ambiental está sujeita a três tipos de responsabilidades: administrativa, civil e criminal”. Então, cabe ao Ministério Público zelar e fiscalizar para que todo aquele que comete dano ambiental seja sancionado nestas três esferas. 

JM - Aqui em Uberaba, temos uma discussão que se arrasta há anos sobre a coleta seletiva. Como vai ser discutido este assunto em 2021? O senhor acha que o município está um pouco atrasado?

VALERA - Não estamos um pouco, não. Estamos muito atrasados. Os dados que eu tenho são dados oficiosos e mostram que nós só reciclamos 2% do lixo que é gerado em Uberaba, que gira em torno de 300 toneladas/dia. Este é um assunto extremamente complexo, mas eu vou tentar aqui dar minha opinião geral sobre isso. Nós precisamos mudar o modelo, precisamos ter um conjunto de regras legais, que primeiro obriguem o cidadão a separar seu lixo, e não só voluntariamente. Hoje ficamos insistindo em educação ambiental, em projetos e programas, mas, infelizmente, o cidadão não se conscientiza. 

JM -  Seria a falta de cultura?   

VALERA - Exato. Com exceção de pessoas que já têm essa cultura, a grande maioria, infelizmente, não a tem e por isso temos índices muito baixos de coleta seletiva. Outro ponto é a falta de estrutura. Hoje nós temos aqui [em Uberaba] uma cooperativa. Ela tem algo em torno de 50 cooperados, que, obviamente, não vão dar conta de uma cidade que tem mais de 120 mil domicílios. Então, o que nós temos de fazer? Mudar o modelo. Primeiro, obrigar o cidadão a separar o lixo na origem. Segundo, o Poder Público, quando licitar a coleta e a destinação final dos resíduos sólidos, tem que colocar nos editais e nos contratos administrativos a obrigação da coleta separada por parte da empresa contratada. Ou seja, tem de coletar o que é lixo mesmo, aquele que nós chamamos de lixo cinza, o resíduo que não se aproveita, resíduo de banheiro e outros resíduos. E todo o resto, o orgânico, reciclável, tem que ser coletado em separado. Se nós não enfrentarmos estas questões, vamos continuar do jeito que nós estamos. Por quê? Porque os contratos hoje em vigência prestigiam o peso na remuneração do serviço. Na minha visão, deveria ser o contrári o Poder Público deveria prestigiar o menor volume de resíduos levados para o aterro. Desta forma, a vida útil do aterro poderá ser prolongada e teremos ações ambientais por trás, como compostagem, britagem da construção civil, dentre tantas outras. As pessoas precisam entender que, quando mandamos para o lixo um resíduo que é reciclável, isso vai impactar um bem ambiental, porque vamos pegar outro bem ambiental, mais recurso natural, para produzir aquele produto. Daí a conclusão de que é mais fácil reciclar.

JM – Na sua opinião, por que tão poucos municípios brasileiros têm coleta seletiva? Seria uma possível má vontade da administração pública ou dificuldades?

VALERA - É um conjunto de situações. Não há má vontade da administração, pelo menos eu não percebi isso. O que existe é uma cultura de que o brasileiro sempre quer fazer o mais fácil. Então, basta colocar tudo num saco de lixo, pôr na porta de casa e, num passe de mágica, aquele lixo desaparece. Esse é o primeiro ponto. O segundo ponto é que os contratos de lixo precisam ser repensados. Isso importa em malferir interesses econômicos, porque nós sabemos que esses contratos são na ordem de milhões. Dependendo da cidade, na ordem até de bilhões. Além disso, é preciso também ter a vontade política de impor ao cidadão a sua obrigação, que é de preservar o meio ambiente. Isso está posto na Constituição Federal, no Artigo 225. Não é só obrigação do prefeito, da prefeita, do governador, ou da governadora, do Presidente ou da Presidente. É obrigação de todos, inclusive do cidadão que gera o lixo. Porque há o princípio do direito ambiental, que é o princípio do punidor, pagador, ou seja, quem gera o lixo tem o ônus e o encargo de dar a destinação ambientalmente adequada. Há uma lei federal, a 12.305/2010, que assim determina, ou seja, o que é para ir para o aterro é tudo que não é passível de reciclagem e de reaproveitamento.

JM - A cidade está crescendo, novos condomínios e loteamentos estão chegando. Como estão a situação e a discussão desse assunto, aqui em Uberaba?

VALERA - O Ministério Público acompanha os passos destes empreendimentos, tanto que, só no ano passado, foram celebrados 30 Termos de Ajustamentos de Conduta para fazer correções destes empreendimentos. A questão da arborização urbana é muito complexa e situações complexas não podem ser resolvidas com soluções simplistas. Primeiro pont nós sabemos o que Uberaba tem de vegetação hoje? Ninguém tem esse dado. Acho que o primeiro ponto a enfrentar é o diagnóstico daquilo que nós temos. Essa situação melhorou. Ano passado, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, junto com a Secretaria de Planejamento, editou uma normativa que coloca quais espécies podem ser utilizadas na arborização de novos loteamentos. Isso dá um salto de qualidade, porque sendo essas espécies adequadas àquele tipo de atividade, nós teremos menos conflito com relação à poda e ao corte dessas árvores. Ocorre, contudo, que nós temos um passivo histórico de, no mínimo, 199 anos para ser enfrentado. É preciso conhecê-lo. Daí a necessidade do diagnóstico, para instituir um plano de manejo e de reintrodução dessas espécies. Ou seja, nós precisamos conhecer o problema, desenvolver um projeto para enfrentá-lo e, depois, verificar os indicadores de eficiência. É isto que estamos conversando com o Poder Público. Nós já tínhamos esta conversa com a administração anterior. Entendemos que a prefeita Elisa precisa de um tempo para tomar pé da situação e se inteirar das questões da Prefeitura. Depois, vamos retomar a conversa, prioritariamente com os secretários de Meio Ambiente ou Planejamento. 

JM - O senhor acredita que as empresas, hoje em dia, apenas visam lucro e por isto acabam deixando de fazer um estudo do local quando vão fazer novos loteamentos, esquecendo-se de analisar as questões ambientais?

VALERA - Não. Nós temos legislação. O que precisamos é profissionalizar nossas estruturas e, quando digo isto, coloco inclusive o Ministério Público para enfrentar esses desafios. Ou seja, precisamos ter uma ótima Secretaria de Planejamento, uma ótima Secretaria de Meio Ambiente, porque quando o empreendedor vier com um estudo, o técnico destas respectivas secretarias terá capacidade para dizer se aquilo é bom ou ruim para o interesse público, se é bom ou ruim para a cidade. Já estão previstos em lei os estudos que precisam ser feitos e, inclusive, Uberaba está na frente, porque, para além das hipóteses dos estudos de impactos de vizinhança, previstos no Estatuto da Cidade, nós avançamos com uma instrução normativa da Secretaria de Planejamento. Essa normativa exige mais informações do interessado, para que o município possa tomar uma decisão mais adequada. É o que sempre tenho dito e repetid muito planejamento, muito estudo, muita transparência e, acima de tudo, muita democracia. Levar essas discussões para audiências públicas, para a Câmara, para a população. Afinal de contas, a população é a beneficiada ou a prejudicada por esta ou aquela decisão. Precisa participar também para fazer o contraponto e colocar o seu argumento.

JM - Em relação ao plano diretor, o que o senhor sugere para Uberaba?

VALERA - A lei diz que a gestão da cidade tem que ser feita de forma democrática e isto está na Lei federal 10.257/2011, que é o Estatuto da Cidade. O que nós conversamos com os gestores e secretários e até com a presidência da Câmara é que se façam audiências públicas, mas façam em horários e condições em que o cidadão mais humilde possa participar e dar sua contribuição. Além disso, sugerimos que se criem canais para coletar sugestões da população. Por quê? Essas questões em regra são de ordem técnica. Porém, isso não retira em nenhum momento a contribuição daquele que, mesmo não tendo formação técnica, tem formação de vida, tem formação que chamamos de empirista, tem experiência, e é totalmente possível conciliar os conceitos técnicos com os que vêm do empirismo, trazendo linguagem fácil para a população. É ouvir as pessoas... Nós, do Ministério Público, temos a função de atender o povo. Mas como vou atender o povo se eu não sei o que ele quer? Eu tenho que dar oportunidade e espaço para a pessoa se manifestar. Se a manifestação for contrária à lei, eu tenho obrigação de mostrar o melhor caminho. Isto é o que temos que fazer, temos que ser transparentes e democráticos, porque quem exerce cargo público, seja por concurso, que é o meu caso, ou por eleição, é voluntário. Ninguém me obrigou a prestar um concurso no Ministério Público, eu quis e prestei. Ninguém obrigou esse ou aquele prefeito (a) a disputar uma eleição; eles (as) se candidataram porque quiseram. Então, agora temos que ter essa sensibilidade para ouvir o destinatário dos nossos trabalhos e esse destinatário é o povo. 

JM - Quais os principais desafios ou pontos a serem trabalhados este ano em relação ao Meio Ambiente?

VALERA – Nós temos vários desafios, mas eu queria pontuar alguns. Primeiro os resíduos sólidos, depois saneamento (drenagem e esgoto) e, também, a educação ambiental. Porque todos os problemas que ocorrem no meio ambiente decorrem ou da falta de conhecimento ou do conhecimento deficitário das questões. Eu desafio a todos a me comprovarem que danificar é melhor que preservar. Eu tenho uma série de estudos e a minha experiência de quase 30 anos no Ministério Público me permite a dizer: é muito mais vantajoso, seja pelo aspecto ético, seja pelo financeiro, sobre aspecto social, preservar o meio ambiente. O que nós temos que fazer, cada vez mais, é criar essa cultura de preservação. Porque a pergunta que quero deixar no ar para todos é a seguinte: E quando nós detonarmos tudo? Nós vamos para onde? Nós não temos plano B, nós não temos outro planeta para migrar, nós não temos uma forma de produzir recursos naturais. Então, nós temos que ter essa consciência, temos que respeitar a resiliência do ecossistema. O que é resiliência? É a capacidade de autorrecuperação. Então, não adianta! Eu sempre dou esse exempl se eu tenho um rio cuja capacidade de exploração é de 100 litros por segundo e eu fizer uma captação de 150 litros por segundo, ele vai secar. E aquele projeto que era um projeto maravilhoso passa a ser falimentar, porque não vou ter o principal insumo do meu produto. Por outro lado, se eu respeitar a regra que está na nossa lei, segundo a qual desses 100 litros por segundo eu posso captar 50, porque o estudo comprova que eu preciso deixar outra vazão residual para que o curso d’água tenha resiliência, esse ecossistema vai poder ser usado de forma infinita. 

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