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Para 2020, podemos esperar um 2019 requentado, diz economista

Economista Sérgio Silva Martins faz um balanço de 2019 e aponta os desafios reservados para 2020

Thassiana Macedo
Publicado em 04/01/2020 às 11:35Atualizado em 18/12/2022 às 03:16
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Uma das principais características do brasileiro é ser esperançoso, mas este também é um povo que se esforça em fazer jus àquele jargão de que “brasileiro não desiste nunca”. O fato é que nem sempre a realidade acompanha este otimismo do brasileiro. Prova disso é que a esperança para 2019 era de melhora significativa na economia. A partir da mudança no rumo político, a expectativa era de que o crescimento da economia fosse muito melhor do que o que foi projetado por analistas, empresários e, especialmente, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Alguns chegavam a projetar crescimento de 3% do PIB. Porém, não foi isso que ocorreu, pois agora as projeções giram apenas em torno de 1%, depois do crescimento acima da expectativa no 3º trimestre. O desemprego permanece em quase 12 milhões de pessoas, mas os indicadores de retomada da atividade econômica demonstram uma leve melhora, com o mercado projetando um PIB de 2,3% para 2020. Afinal, o que esperar da economia neste novo ano? E o que fazer para que essa expectativa positiva finalmente se cumpra? Na entrevista deste domingo do Jornal da Manhã, o economista Sérgio Silva Martins faz um balanço de 2019 e aponta os desafios reservados para 2020. 

Jornal da Manhã – Que avaliação faz da economia em 2019, primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, e quais as perspectivas para 2020?

Sérgio Silva Martins – De todas as áreas, a que mais pesa, nessa avaliação do primeiro ano de governo, é a economia. É uma área sensível, porque envolve a totalidade de qualquer assunto. Esse governo teve como herança uma situação econômica muito desastrosa, principalmente nos governos Dilma e Temer, que teve alguns sucessos, mas foi de transição. 2019 foi um ano de transição, o governo novo tentou emplacar avanços que em parte foram conquistados, em parte não. Houve uma guerra política, uma grande divisão de objetivos, e a crise política atrapalhou muito a economia esse ano que passou. Ele tem um ministro da Economia bem intencionado, mas que focou seus esforços no crescimento da economia via iniciativa privada e nem sempre isso funciona, como o que estamos vendo agora. O desemprego continua alto, já deveria ter arrefecido bem mais. Tínhamos 12,2 milhões de desempregados e chegamos ao final de 2019 com 11,9 milhões. É uma redução a ser considerada, mas não a desejada. 

JM – São números ruins?

Sérgio Martins – Sim, e representam desalento e desestímulo. E a economia para 2020 não vai ser muito diferente. No primeiro ano de governo Bolsonaro temos crescimento perto de 1%, um dígito apenas, resultado que se deve a diversos fatores, dentre eles, e o mais importante, a nossa produtividade. É aquilo que as empresas são capazes de transferir para o consumidor final com rapidez e redução de custo. A produtividade nada mais é do que a escolarização e o treinamento, ou seja, a qualificação dos trabalhadores. E isso, infelizmente nós não temos. 

JM – O SPC Serasa aponta que o país tem 60 milhões de pessoas endividadas. Em 2019, menos pessoas, que o esperado, aproveitaram 13º salário e FGTS para renegociarem suas dívidas. Quanto o superendividamento da população pode pesar na economia de 2020?

Sérgio Martins – Penso que o nível de endividamento continuará pesando enquanto a renda real do trabalhador não aumentar e ela só aumenta quando existe emprego formal. Em qualquer país do mundo isso acontece. Nos países avançados, o padrão global que nós temos, está muito diferente do padrão brasileiro. A pesquisa da Serasa aponta uma deficiência estruturante e que está na renda das pessoas. Isso provoca um efeito cascata que faz com que a economia não ande como precisa. Nós temos uma renda muito concentrada no Brasil, a semelhança de países menos desenvolvidos, onde a desigualdade social é forte e há um setor financeiro muito poderoso que não é capaz de transferir renda para as camadas mais pobres da população. Qualquer governo inteligente faria essa distribuição de renda e não fazer como hoje, em que se quer crescer o bolo antes de dividi-lo. 

JM – Aliás, a desigualdade aumentou no último ano.

Sérgio Martins – Aumentou brutalmente, basta ver os números oficiais de pesquisas apresentadas pelo próprio governo, através do IBGE. Temos quase 12 milhões de desempregados, quase 5 milhões de pessoas desalentadas, ou seja, que já desistiram de procurar emprego por estar desacreditadas. Além disso, temos quase 26,6 milhões de pessoas subutilizadas ou em emprego precário, isso é uma mistura de informalidade e meio emprego. É o engenheiro que vai trabalhar no Uber, por exemplo, pois também há uma crise de profissionais que não são capazes de se assegurar no mercado de trabalho, então eles vão para onde há dinheiro, não mais fácil, e sim, mais rápido. Enquanto o país não focar em núcleos que tenham como objetivo a redução da desigualdade, nunca vamos ter um país socialmente justo. 

JM – Segundo o governo, fechamos 2019 com taxa de juros muito baixa, inflação controlada e queda, ainda que minúscula, no desemprego. Diziam para esperarmos a reforma da Previdência que ela iria dar um jeito, agora se fala que a solução virá com a reforma tributária. Qual é o caminho para a retomada do desenvolvimento em 2020?

Sérgio Martins – Sem dúvida houve avanços, fruto de um esforço para que haja uma estabilidade econômica capaz de gerar prosperidade. Esse é o objetivo final. Mas vamos melhorar em 2020? Essa é a grande questão, porque não há garantias de que isso aconteça. Não temos políticas públicas permanentes que visem um trabalho paralelo de redução da desigualdade, com foco na redução da pobreza e da pobreza absoluta, e de trabalhar um espaço capaz de promover o desenvolvimento econômico, que é diferente de crescimento econômico. Por enquanto, temos apenas políticas públicas que visem um incremento do crescimento econômico, e mesmo assim, muito precário e muito pequeno. Para 2020, podemos esperar um 2019 requentado. E não estou sendo pessimista, estou olhando no retrovisor para ver o que vai ocorrer lá na frente. Se eu visse no governo pessoas que olhassem com carinho a questão da redução das desigualdades, que é importantíssima, poderia haver outro prognóstico. A desigualdade só acontece quando existe um núcleo, um ou vários setores da economia que concentram renda e é o que acontece. Somos um país pobre ainda e concentrador de renda.  

JM – Notamos ao longo de 2019, uma comemoração dos setores voltados ao empreendedorismo em razão do volume de abertura de microempresas. Essa realidade pode representar um avanço na economia ou é uma maneira de maquiar o desemprego?

Sérgio Martins – O número de empregos aumentou e o número de microempreendedores formais também cresceu, mas qual é a qualidade desses empregos? Essa questão ainda não foi devidamente detalhada. Não há ainda uma pesquisa que avalie o sujeito quando era empregado, depois de perder o emprego e agora formalizado novamente como empreendedor. Ainda não temos pesquisa histórica capaz de levantar isso. Minha grande preocupação é se esse sujeito não piorou. Muitos melhoraram, porque se descobriram empreendedores na atividade formal. Esse é um benefício para a sociedade, para si e para quem ele empregar, pois pode ter de um a dois empregados, ajudando famílias a prosperarem. 

JM – Mas também há aqueles que entram no ramo de empreendedorismo, e lá na frente descobrem que não deu certo?

Sérgio Martins – E não deu certo por conta de pouca formação, qualificação e pouco preparo, que é a questão da produtividade. Temos uma carência histórica e estrutural que nos impede de avançar mais. Esse aumento da formalidade via microempreendedor ou empreendedor é muito positiva, mas temos uma dúvida aí. Será que vai andar em paralelo com políticas públicas capazes de realizar a distribuição da renda? 

JM – O senhor colocou o problema da falta de qualificação. O desenvolvimento passa fundamentalmente pela educação, pela valorização cultural e por uma série de outros fatores. Mas o que estamos assistindo parece representar um retrocesso nesse sentido. Houve ataques contra universidades, debates sobre ideologia ou discussão de gênero na educação, que acabaram travando o processo. Essas questões sociais afetam a economia?

Sérgio Martins – Afetam muitíssimo e é um ponto muito grave, porque um país que não tem plano para a educação está fadado a ser pobre enquanto perdurarem essas políticas públicas. Falar em educação sem falar de planos para curto, médio e longo prazos é discutir apenas a manutenção dos padrões já existentes. Então, se aquilo que os governos anteriores fizeram nessa área, quando houve um plano de educação, esse governo está dando continuidade, ótimo, mas temos que avançar. Nem vou comentar sobre o ministro da Educação, que é quem dirige esse caminho, porque os brasileiros já sabem que tipo de ministro se tem lá. Infelizmente é alguém completamente incompetente para tocar as políticas públicas nessa área. E a educação é a área mais importante, porque é a que forma as bases do cidadão e que transforma as gerações, e que reflete na produtividade econômica. É isso que vai distribuir a renda, pois é com a educação que se ataca muitos problemas, mas principalmente a pobreza. Para isso, precisamos de um plano que dirá onde queremos estar em 2030, mas não temos planos nem para daqui cinco anos. O que queremos do Brasil em 2050? É uma questão de longo prazo, que requer política pública e pensar no cidadão e no país do futuro. 

JM – É possível o governo federal fazer mais para a estabilidade da economia? O que o senhor sugere?

Sérgio Martins – Sugeriria agir em função de políticas públicas que reduzam a desigualdade. Por exemplo, a manutenção do Bolsa Família que na verdade é um programa que apenas mantém o sujeito fora da pobreza extrema. Só, mais nada. Ele não é um programa que combata a recessão ou o desemprego. O programa ajuda, mas não pode ser considerado a salvação. Ele existirá quando a família sair dessa condição indo para a formalidade, educar os filhos e tiver renda sem a dependência governamental. 

JM – A política liberal é interessante para países mais consolidados economicamente. A partir do momento que uma faixa da sociedade muito pobre, como é o caso da América Latina como um todo, essa parte da população precisa da tutela e assistência do governo, mas há quem pense em liberalismo total. Como o senhor vê essa questão?

Sérgio Martins – Acredito que há uma confusão enorme a respeito dessa questão de ser liberal ou conservador. O liberalismo econômico existe desde o século XVI em que os fundamentos ditavam sobre a propriedade privada, liberdade de empreender, entre outros pontos, que existe dentro do capitalismo como algo natural. Não há necessidade de autoclassificação, como muitos têm dito por aí. Fazer políticas públicas que visem a assistência à população, não há necessidade de rótulos. 

JM – Não existe liberal na economia e intolerante nos costumes...

Sérgio Martins – É um contrassenso enorme. Precisaríamos levar esse debate até a população, porque isso que estamos falando é para uma camada muito pequena, mínima, que conhece esses termos. As pessoas não sabem o que é liberal, não sabem o que é ser conservador, e não tem nada a ver uma coisa com a outra. Quanto mais pobre a população, mais há a necessidade da ação do Estado na economia. John Maynard Keynes que é o pai da economia moderna - com Adam Smith, que é pai da economia -, era um lorde inglês que trouxe essa ideia que hoje e é praticada por todos os governos, de que o Estado tem que contribuir, ajudar e fazer uma intervenção na economia criando políticas públicas capazes de reduzir a desigualdade, até para que haja a sustentação do capitalismo. Quando o Brasil atingir o estágio de país com uma classe média forte e robusta não precisaremos discutir essas outras coisas. 

JM – Qual a melhor alternativa, neste momento da economia, para fazer o rico dinheirinho do brasileiro render alguma coisa?

Sérgio Martins – Hoje nós temos a poupança que rende muito pouco, em torno de 70% da taxa Selic, o que representa 2,8% ao ano. Então, a minha sugestão como economista e profissional do mercado financeiro é procurar opções, principalmente para quem não gosta de correr riscos. Se vê muito na TV sobre investir nisso ou naquilo, mas é preciso tomar muito cuidado. A pessoa sai investindo no mercado de ações sem conhecer a área, o que é perigoso. Deve investir, sim, mas deve conhecer primeiro, procurar uma corretora ou quem entende, ou seja, precisa ter um auxílio adicional para poder investir. Basicamente, aquele sujeito que está ganhando um pouquinho pode investir na renda fixa ou faz uma conta no Tesouro Direto. É preciso ter uma conta corrente em banco e ter um cadastro no Tesouro ou baixa o aplicativo para fazer aplicação de parte do dinheiro que está na conta. Pode fazer por dia, por mês ou agendar os investimentos em caixinhas para viajar ou para aposentar, por exemplo. Ou seja, pode fazer investimentos diferentes no Tesouro Direto para diversas finalidades. É simples e as pessoas não sabem disso, porque os bancos não têm interesse em divulgar isso.

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