CIDADE

Entrevista: Prosador nato, Palmério fez livros atrativos, diz presidente da ALTM

João Eurípedes Sabino conta algumas boas histórias de um homem cercado de muitos mitos

Marconi Lima
Publicado em 09/11/2019 às 09:51Atualizado em 18/12/2022 às 01:49
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Jairo Chagas

João Eurípedes Sabino, presidente da Academia de Letras do Triângulo Mineiro, diz que manuscritos comprovam autoria das obras

A Academia de Letras do Triângulo Mineiro (ALTM) relançou duas obras do acadêmico e imortal Mário Palméri “Vila dos Confins” e “Chapadão do Bugre”.

O livro "Vila dos Confins", publicado em 1956, foi o primeiro romance de Mário Palmério. A obra conta a história da primeira eleição para prefeito e vereadores de um remoto lugarejo do sertão brasileir a Vila dos Confins - município recém-emancipado. O romance é um triste retrato do processo eleitoral no Brasil no século 20, com compra e aliciamento de votos, coação e fraudes de todo o tipo. Além do caráter político, o livro também aborda a vida no sertão e os costumes da região onde a trama se dá.

Já o livro "Chapadão do Bugre" foi publicado em 1965. A obra, inspirada na chacina política ocorrida no início do século 19 em uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, descreve uma paisagem marcada pela violência relacionada a disputas, vinganças e paixões. Trata-se de um clássico testemunho da vasta experiência que Mário Palmério acumulou nas andanças pelo Brasil afora, quando conviveu com coronéis e jagunços.

“Entendemos que as obras de Mário Palmério, realmente, mereciam um destaque e uma notoriedade. Por tudo o que ele fez, escreveu, pela pessoa que ele foi e pela obra que edificou em torno do ensino, merecia esta homenagem. Então, estamos fazendo um relançamento nacional, que corresponde ao valor de Mário Palmério. Se não fosse ele, com a sua pujança, empreendedorismo, talento, inteligência e capacidade, Uberaba não passaria de uma cidade sem realce. Mário Palmério redirecionou os destinos de Uberaba, da região e também do Brasil”, destaca o presidente da ALTM, João Eurípedes Sabino.

Em entrevista ao Jornal da Manhã, além das obras, Sabino conta algumas boas histórias de um homem cercado de muitos mitos. E uma dessas histórias, inclusive, daria conta que Palmério teria uma espécie de Ghost Writer [escritor fantasma, na tradução livre], que teria escrito suas obras. O fato é negado com veemência por Sabino. Ele diz que existem os manuscritos dos livros, “feitos de próprio punho por Palmério”, e que estão no Memorial Mário Palmério, na biblioteca da Universidade de Uberaba (Uniube). A Uniube, aliás, também é parceira dessa empreitada da ALTM.

Mário de Ascenção Palmério nasceu em 1º de março de 1916, em Monte Carmelo (MG), e morreu em 24 de setembro de 1996, aos 80 anos, em Uberaba. 

Jornal da Manhã – Mário Palmério é um personagem intrigante. Até hoje, mais de 20 anos após sua morte, ainda se fala muito dele, especialmente sobre muitas histórias ou lendas a seu respeito. O que significa o relançamento dessas obras?

João Eurípedes Sabino – Mário Palmério escreveu a primeira obra dele aos 40 anos. Li alguns comentários de que ele teria começado muito tarde na literatura. Pela regra geral, nesta idade já deveria ter escrito muita coisa. Mas, eu diria que Mário Palmério acumulou muita coisa e em 1956 (com o lançamento do "Vila dos Confins") ele deixou eclodir a sua veia literária, mostrou a que veio e recebeu da crítica, na época, os melhores elogios. Ali, começou a sua plataforma para a entrada na Academia Brasileira de Letras. Já ocorreram relançamentos em outros tempos. A editora Autêntica, em um bom momento, aproveitou para relançar essas duas obras em comemoração aos 50 anos de acadêmico.

JM – Aliás, Palmério entrou na Academia Brasileira de Letras em 1968, isso 12 anos depois de sua primeira obra e três anos após a segunda publicação...

JES – Foi em 22 de novembro de 1968. Ele sucedeu a Guimarães Rosa. Realmente, Mário Palmério sucedeu a um grande talento de nossa literatura, que é Guimarães Rosa. E Guimarães Rosa morreu quatro dias após entrar para a Academia Brasileira de Letras. Logo depois veio Mário Palmério, que ficou por quase 30 anos lá. 

JM – Mário Palmério é uma figura cercada de mitos, lendas, histórias. Uma delas diz respeito à possibilidade de ele ter contado com a ajuda de um Ghost Writer. Ou seja, uma outra pessoa teria escrito por ele as obras "Vila dos Confins" e "Chapadão do Bugre". Como o senhor vê essa história?

JES – Existe gente de plantão para falar essas coisas. Com relação às obras de Mário Palmério, isso é falta de assunto. Você abre os livros e vê aqui os rascunhos, feitos a lápis, com trechos das obras, com os nomes dos personagens. Eu conheço os rascunhos dessas obras. Como alguém iria escrever esses rascunhos com a letra do Mário Palmério? E depois essa pessoa aceitaria que Mário Palmério assinasse a obra? É falta de assunto. Quem quiser, pode ir até o Memorial Mário Palmério, lá na biblioteca da Universidade de Uberaba, e ler os rascunhos feitos por ele próprio. Estão lá, em papel almaço. 

JM – Mário Palmério, além de escritor, foi uma grande liderança política em Uberaba...

JES – Mário Palmério chegou de mansinho aqui, em Uberaba. Atuou primeiro no setor de ensino, pois à época existiam apenas os colégios Diocesano e Nossa Senhora das Dores. Um atendia meninos e o outro, meninas. Ele, então, criou um colégio que misturou tudo, que foi uma revolução para a época. E ainda criou uma universidade. E por conta disso foi ameaçado de morte, pois se dizia que aqui só se poderia estudar quem tivesse alto poder aquisitivo. Veja você, um homem nascido em Monte Carmelo veio para Uberaba, deu aulas de matemática em uma garagem, criou colégio, criou universidade. Tudo que ele punha a mão, dava certo! Esse cara era um gênio! 

JM – Existe algum material inédito de Mário Palmério que poderia ser publicado?

JES – Tem material inédito. Aliás, o Mário Palmério preparava um terceiro livro, mas, por conta dos problemas de saúde, não teve condições de publicá-lo. Tem algum material também sobre a Amazônia, ele esteve lá em duas ocasiões, na década de 70, no século passado. Ele era um prosador nato. Por isso que os livros dele têm tanto atrativo, prendem a atenção do leitor. É como se ele colocasse a mão no seu ombro e dissesse: "Vamos ler juntos". 

JM – Como é retratada a vida política de Mário Palmério, que, além de deputado federal, foi também embaixador do Brasil no Paraguai?

JES – Foi eleito deputado federal por três mandatos. Foi membro da Comissão de Educação e Cultura (vice-presidente) da Câmara Federal. E, como político, ele não perdeu tempo; tinha muita força política. Uberaba era uma cidade mediana e ele conseguiu implantar aqui uma escola de Medicina. 

JM – Ele foi eleito em 1950, quando trouxe para Uberaba as faculdades de Direito e de Medicina. E dizem que, desde aquela época, Mário Palmério tinha projeto para criação de uma universidade federal aqui...

JES – Ele enxergava além da montanha. Nessas campanhas eleitorais, ele subia ao palco e as pessoas deliravam, ele polarizava as atenções. Ele tinha livre trânsito com ministros, conseguia enxergar potencial em algumas coisas que muitos viam como triviais. 

JM – Ele teve atuação destacada como embaixador no Paraguai?

JES – O Brasil precisava se entender com o Paraguai sobre a construção da usina de Itaipu. E na época o Paraguai estava sob a ditadura do general Alfredo Stroessner. E o Mário Palmério foi a pessoa designada pelo governo brasileiro para conversar com o governo paraguaio. Aquela hidrelétrica é uma das maiores obras do governo militar brasileiro. E o Mário Palmério teve participação decisiva nessa aproximação entre Brasil e Paraguai. O Alfredo Stroessner estava irredutível, não queria de forma alguma a construção daquela barragem. 

JM – O Mário Palmério ajudou pessoas perseguidas pelo regime militar? Inclusive pessoas ligadas ao PCdoB?

JES – Qualquer pessoa que pedisse alguma coisa a Mário Palmério, ele não negaria. Ele tinha trânsito com qualquer segmento. Mário Palmério era uma pessoa de acolhimento. Aquele que chegasse de qualquer lugar do Brasil e quisesse conhecê-lo, por conta de suas obras literárias ou qualquer outro motivo que fosse, ele recebia sem problemas. Ele sempre foi acolhedor. 

JM – Além de escritor, Mário Palmério também foi compositor. Compôs a guarânia “Saudade”, que talvez seja a mais conhecida de todas...

JES – São 12 músicas compostas por Mário Palmério. E o nosso amigo Romeu Gomes é o único cantor uberabense que conhece todas as músicas de cor e salteado. Ele não precisa ler nenhum papel que o ajude a se lembrar das letras. 

JM – É verdade que Mário Palmério também era um boêmio?

JES – Isso não se pode negar. Ele gostava da noite, gostava de um carteado. Certa vez, chegamos a um estabelecimento noturno e um segurança impediu a entrada do nosso grupo de amigos. E aí perguntamos o motivo da proibição. Ele falou que a casa estava reservada para um senhor. E insistimos em perguntar, quem seria essa pessoa, no que o segurança revelou: Mário Palmério. Ele estava lá no estabelecimento, jogando cacheta. Depois de alguma insistência, foi permitida nossa entrada. E chegamos ao interior desse estabelecimento, o Mário Palmério estava em um local reservado, jogando carteado, e quando nos viu, cumprimentou cada um, chamando-nos nome por nome. E depois ele falou: “Olha, já estão aqui dentro, se quiserem beber alguma coisa, bebam, só me deixem em paz”. Ele era uma pessoa muito autêntica. 

JM – Para várias pessoas, Mário Palmério era uma pessoa muito reservada, de seletos amigos...

JES – Nós, da ALTM, temos que desnudar essa visão. Mário Palmério era uma pessoa que tinha amizades em todos os segmentos. Era uma pessoa que andava tranquilamente nas ruas. Ele também foi comentarista esportivo. O Luiz Crosara tem muitas fitas gravadas com a participação dele no rádio. 

JM – Ele é conhecido por sua atuação no setor da Educação, com a construção de escolas e da Uniube. Mas ele também tem ações voltadas para a Saúde em Uberaba?

JES – O Hospital Dr. Hélio Angotti, por exemplo, já se chamou "Mário Palmério". As primeiras verbas destinadas ao hospital foram graças a ações de Mário Palmério em Brasília. Depois, acabou mudada a denominação para "Hospital do Câncer do Brasil Central". E, após a morte do doutor Hélio Angotti, foi dado o atual nome ao hospital.

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