CIDADE

Entrevista: Estar feliz faz bem ao coração, afirma médico cardiologista

As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo, de acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde

Marconi Lima
Publicado em 28/09/2019 às 09:14Atualizado em 18/12/2022 às 00:36
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Médico cardiologista Samir Idaló Júnior diz que combinar atividade física com dieta rica em hortaliças, frutas e peixes é ideal para o coração

O Dia Mundial do Coração é comemorado hoje, 29 de setembro. A data tem por objetivo alertar e conscientizar a população sobre a importância de manter hábitos saudáveis e preservar a saúde do coração. As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo, de acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS), o que motivou a criação da data. Para combater as principais doenças que afetam o coração, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a prática de atividades físicas, aliada a uma alimentação balanceada, com baixa concentração de sódio e açúcar, além de acompanhamento médico e nutricional. Alguns fatores de risco são determinantes para a ocorrência de doenças como diabetes, hipertensão, tabagismo, estresse, obesidade, problema na tireoide, colesterol alto e histórico familiar.

O cardiologista Samir Idaló Júnior conversou com a reportagem do Jornal da Manhã sobre o Dia Mundial do Coração. Ele destaca a importância do controle do colesterol, da hipertensão e da necessidade de manter atividades físicas regulares para afastar os riscos de infarto. 

Jornal da Manhã – O Dia Mundial do Coração nos serve de alerta para cuidarmos desse importante órgão do nosso corpo. Como está o coração do brasileiro?

Samir Idaló Júnior – Hoje, temos dados preocupantes. As doenças cardiovasculares são as que mais matam no mundo. E no Brasil não é diferente. Nós perdemos de 300 mil a 330 mil pessoas por ano no Brasil vítimas de infarto agudo do miocárdio, ou de Acidente Vascular Encefálico. E ainda tem as pessoas que não morrem, mas ficam com sequelas para o resto da vida. 

JM – E como está a relação das pessoas com a prevenção às doenças cardiovasculares? Elas têm procurado se prevenir?

SIJ – Estamos muito aquém do que almejamos. As doenças cardiovasculares, muitas vezes, são assintomáticas. Como não apresentam nenhum sintoma, as pessoas não procuram orientação médica. Quando o fazem, é porque já aconteceu o evento cardiovascular. Veja só: dados que foram apresentados agora, no mês de julho, apontam que 55% da população brasileira está com peso acima do normal. Em uma população estimada em 208 milhões de habitantes, mais da metade está com peso acima do ideal.

JM – E o que leva a isso?

SIJ – Uma dieta equivocada. Hoje, temos muita facilidade em adquirir produtos industrializados, alimentos de preparo rápido. E ainda temos uma parcela da população que não pratica atividade física. Hoje, preconizamos pelo menos 150 minutos semanais de realização de atividade física. Mas, esse tempo precisa ser espaçado, não adianta ser feito em apenas um dia. Bastam 30 minutos por dia para termos uma atividade física adequada. 

JM – Sobre a nossa dieta, que é considerada inadequada... Seria apenas pelo consumo dos produtos industrializados?

SIJ – Nós também temos uma dieta muito rica em sal. Recomendamos o consumo máximo de cinco gramas diários de sal. Para se ter uma ideia, um grama de sal cabe em uma tampa de caneta. Ou, então, é possível encontrar aqueles sachês de um grama. E esses cinco gramas valem para todo o dia, em todos os produtos que nós consumimos. Temos pesquisas que apontam algumas cidades no Brasil em que o uso do sal chega a 16 gramas por dia. É muito sal. 

JM – Alguns saudosistas costumam lembrar que, no tempo dos nossos avós, a comida era preparada na banha de porco; inclusive a conservação da carne, mesmo a bovina, era feita nessa gordura, acondicionada em lata. O que mudou desses tempos para os atuais?

SIJ – Muitos dos nossos pacientes também levam essa dúvida para o consultório. O que acontece é que na época em que esse hábito era praticado não havia estudos sobre as doenças cardiovasculares. Então, não é possível falar sobre o impacto desta dieta na vida dessas pessoas. Hoje sabemos que a dieta mais apropriada é aquela rica em frutas e hortaliças, que é a dieta do Mediterrâneo. Que é também rica no consumo de peixes e, se possível, usar azeite no lugar de qualquer um desses outros óleos. 

JM – Azeite extra virgem ou azeite de oliva?

SIJ – Qualquer um dos dois. 

JM – Além dessa questão do uso da banha de porco, muitas pessoas garantem que o uso do limão nas carnes mais gordurosas ajuda a quebrar o seu efeito. Isso é verdade?

SIJ – Não é verdade. É um folclore. 

JM – Então, só vai servir para deixar o alimento com um gostinho um pouco mais azedo...

SIJ – Certamente. 

JM – A banha de porco seria mais saudável que o óleo de soja?

SIJ – A banha é mais recomendável que o óleo de soja. Mas, o ideal é evitar o uso desses dois óleos. 

JM – Hoje temos o óleo de coco, que está na moda. Há também o óleo de canola, o óleo de milho. Nesse mix de produtos, alguns deles são recomendados?

SIJ – O ideal é não usar nenhum tipo desses óleos. Hoje temos aí panelas com refratários, temos as panelas Air Fryer, que dispensam o uso de óleo na fritura. A dieta do Mediterrâneo recomenda o consumo de azeite de oliva, virgem ou extra virgem. Agora, a Sociedade Brasileira de Cardiologia recomenda um consumo máximo de meio litro de óleo por mês. Em uma família com três pessoas, o máximo seria de 1,5 litro de óleo em um mês. É preciso ser dosado. Conheço famílias que utilizavam de oito a dez litros de óleo por mês. É uma quantidade muito grande. 

JM – O controle da dieta é importante para evitar o excesso de peso?

SIJ – Tem um dado interessante: apesar de mais da metade da população brasileira estar acima do peso, nós aumentamos o nosso consumo de frutas e hortaliças em 23%.

JM – Ainda sobre dietas, há um debate sobre o consumo de carne. É melhor carne vermelha magra? Carne branca? Houve época em que a carne de porco era a grande vilã das dietas... Qual o tipo de carne recomendado para o consumo?

SIJ – A dieta do Mediterrâneo recomenda evitar carne vermelha e preconiza o consumo de peixes e aves. 

JM – Alguns especialistas alertam para o uso de anabolizantes nas aves. É preciso que elas ganhem peso mais rápido, por conta do abate. O consumo do frango caipira é mais recomendado que o frango comum?

SIJ – O peixe é o melhor das carnes brancas, pois é rico em ômega 3, que é um ótimo protetor cardiovascular. 

JM – O ômega 3 comprado em farmácia é recomendado?

SIJ – Se for prescrito por um profissional habilitado, não há problema algum em consumir ômega 3. Acontece que muitas pessoas compram e consomem sem a recomendação médica. 

JM – E quais as consequências nestes casos?

SIJ – Pode ocorrer excesso de consumo de ômega 3. E todo excesso traz prejuízos à saúde. 

JM – Outra proteína animal já foi vilã das dietas, mas hoje é uma vedete: o ovo. Qual a recomendação sobre consumo de ovo?

SIJ – O ovo tem um percentual de colesterol, mas que não seria maligno para o nosso organismo. 

JM – Existem casos de pessoas que fazem dieta controlada, praticam atividade física e, ainda assim, os níveis de colesterol são altos. Quais seriam os motivos?

SIJ – Pode ser o princípio da genética. Temos que buscar o histórico de saúde familiar, dos parentes em primeiro grau, pais, irmãos e avós. Se tiverem um histórico de altos níveis de colesterol, é possível que o paciente também venha a sofrer com esse problema. É questão genética. É preciso tratar. Depende do risco de acidente cardiovascular. Faça uma avaliação, se constatado algum risco, o médico o encaminhará para o tratamento adequado. 

JM – Em uma família, se o pai, mãe, avós morreram em decorrência de problemas cardiovasculares, a descendência também corre risco de sofrer com esse problema?

SIJ – Quando o pai morre com menos de 55 anos e a mãe, com menos de 65, por conta de problemas cardiovasculares, esse é um fator absolutamente fundamental de risco para os descendentes. 

JM – O senhor falou da importância da atividade física como forma de prevenção das doenças cardiovasculares. Mas, também não se pode exagerar na academia, não é?

SIJ – Aprendi com um professor que tudo em excesso prejudica. Então, qual a recomendação? Antes de iniciar qualquer atividade física, procure um médico. Lembre-se que muitas vezes as doenças cardiovasculares são assintomáticas. Para evitar que tenha uma morte durante a prática da atividade física, a recomendação é sempre fazer uma avaliação antes de se iniciar a prática desportiva. Temos vários tipos de exames que são muito simples, como o teste ergométrico e o eletrocardiograma, que nos permitem orientá-lo sobre sua capacidade aeróbica e a quanto pode chegar sua frequência cardíaca. Isso tudo é importante em uma avaliação. 

JM – Lembrando que atividade física não é praticada apenas nas academias... Caminhada é uma boa atividade física?

SIJ – Você pode fazer aquilo que gosta. Pode caminhar na rua, nos espaços públicos. Não tem custo algum. Pode-se ir a pé ao trabalho, voltar a pé para casa ou de bicicleta. É fazer pelo menos 150 minutos semanais, em tempos espaçados. 

JM – Para uma pessoa que tem dieta equilibrada e pratica atividade física, qual o risco de ter morte súbita?

SIJ – Esse é um tema bastante delicado. Temos várias causas de morte súbita. Uma das causas é o infarto agudo do miocárdio. As pessoas geralmente falam: “Olha, fulano morreu de repente!”. É isso, teve o infarto agudo do miocárdio e já chegou sem vida ao hospital. Teve morte súbita. 

JM – Pode ser evitada?

SIJ – Pode ser evitada. Já tivemos notícias de morte de jovens em academia. Pode ser decorrente de algum exagero ou uso de alguma substância proibida. Esses casos precisam ser investigados. 

JM – Agora, sobre o Dia Mundial do Coração, comemorado neste 29 de setembro... Qual a razão desta data?

SIJ – É uma data para conscientização. Foi um apelo do Ministério da Saúde, com a Sociedade Brasileira de Cardiologia e outras sociedades que atuam no setor da saúde, para trabalhar na prevenção. Algumas doenças têm prevenção. Muitas doenças são assintomáticas, como diabetes e hipertensão. No início, elas não apresentam sintomas. Por isso, é preciso aferir a pressão regularmente, fazer exames de sangue regularmente. Atualmente, 8% da população brasileira sofre com o diabetes, são pelo menos 16 milhões de pessoas. 

JM – O diabetes pode levar a problemas cardiovasculares?

SIJ – É um dos principais fatores para a morte por conta de problemas cardiovasculares. E o diabetes tem tratamento e bom tratamento. Temos hoje de 32% a 34% da população brasileira sofrendo com hipertensão. E a maioria dessas pessoas nem sabe que sofre de hipertensão porque nunca aferiu a pressão. 

JM – Muitas pessoas se queixam dos problemas financeiros ou do baixo poder aquisitivo para se cuidar... O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece condições de acompanhamento desses pacientes?

SIJ – O SUS, apesar de todas as críticas, é um dos sistemas de saúde mais importantes do mundo. Não há nenhum país com a capacidade do Brasil para gerenciar um sistema como esse. Há medicamentos disponíveis no SUS que fazem o controle do diabetes e da hipertensão sem custos. Basta que o paciente seja diagnosticado com o diabetes ou hipertensão para iniciar o tratamento. 

JM – Quanto à hipertensão, ela é responsável por levar o paciente ao problema cardiovascular ou é o problema cardiovascular que leva a casos de hipertensão?

SIJ – As duas afirmações são verdadeiras. Hoje, a Sociedade Brasileira de Cardiologia preconiza que todas as pessoas, a partir dos três anos de idade, devem aferir a pressão pelo menos uma vez por ano. Então, já começamos esse trabalho de prevenção lá na pediatria. 

JM – Esses aparelhos portáteis para aferir a pressão, geralmente comercializados em farmácias, são recomendados para fazer acompanhamento?

SIJ – Eles não são recomendados pela Sociedade Brasileira de Cardiologia. 

JM – Cuidar do coração é necessariamente deixar as coisas boas de lado?

SIJ – Muito pelo contrário. Você tem que unir tudo que te dá prazer na vida. Hoje temos discutido muito a questão da espiritualidade. Amar faz bem para o coração, estar feliz onde você trabalha, estar feliz na família, tudo isso faz bem ao coração. Isso tudo é muito importante, e não apenas a preocupação com peso, com o diabetes e com a hipertensão.

JM – É preciso estar com o coração leve...

SIJ – Sem dúvida. Hoje, no consultório, nós já discutimos sobre espiritualidade. É preciso avaliar a situação emocional do paciente. Não basta apenas prescrever o medicamento, é preciso também ajudar. Tudo isso é muito importante.

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