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200 anos de lendas urbanas: ossada na praça Frei Eugênio

Gritos, correntes arrastando no chão e portas se abrindo e fechando sozinhas são “causos” contados de adolescente para adolescente

Raiane Duarte
Publicado em 06/03/2020 às 19:16Atualizado em 18/12/2022 às 04:46
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Fotos/Raiane Duarte

Como falar de lendas urbanas da cidade das sete colinas sem citar a praça Frei Eugênio? Impossível. O lugar tem espaço reservado na mente fértil de adolescentes e crianças da cidade. Os boatos que correm é que lá foi um cemitério e que algumas pessoas ainda descansam a sete palmos.

A praça Frei Eugênio engloba alguns prédios que possuem funções diferentes. O complexo une educação, cultura e indústria; Escola Estadual Minas Gerais; Centro de Cultura José Maria Barra e o Teatro Sesi Minas; Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). A praça como um todo é formada por diversos estilos arquitetônicos e mescla o novo e o antigo.

A escola

A reportagem esteve na porta da Escola Estadual Minas Gerais em um dia ensolarado de verão. Às 11h30 os estudantes tumultuam o portão de saída, enquanto se despedem para ir para suas casas. Perguntados se conhecem a história do cemitério, muitos respondem que sim. Uma aluna de 16 anos afirma que conhece a história e que a avó, que também estudou no Minas, foi quem lhe contou primeiro sobre.

Outras duas estudantes, de 15 e 17 anos, contaram que já até fizeram um trabalho escolar sobre o cemitério. “A gente fez uma pesquisa para um trabalho e achamos um boato que tinha um esqueleto debaixo de um dos gols da quadra, mas não sei se é verdade”, contou a outra e adivinhem de quem seria o esqueleto? Major Eustáquio, personalidade da cidade e o mesmo que estava, de certa forma, ligado à história da família que foi desolada pela tuberculose. “Eu também já escutei que quando construíram o Manhattan acharam restos humanos, dizem que não tiraram tudo desse cemitério, que ainda tem gente enterrada”, completou. Claro, quanto a essas hipóteses não há comprovação histórica.

Em outra rodinha de alunas, um quarteto de amigas, de 16 e 17 anos, fala sobre o assunto de forma espontânea e as meninas dão risadas com os boatos. Reafirmam que luzes ligam e desligam sozinhas e que “conhecidos” já ouviram barulhos de correntes.

“A única coisa que eu ouvi dizer foi que à noite os alunos quando vão ao banheiro sozinhos ficam escutando gritos, correntes arrastando no chão, ninguém consegue ir no banheiro sozinho não”, contou. Questionadas se já presenciaram algo pessoalmente, uma delas responde: “a não ser a porta abrindo sozinha e as luzes piscando, não, porém isso é normal. Os três anos que eu estou aqui as portas abriam sozinhas, qualquer sala. As vezes a porta abria ficava um silêncio total e a eu falava assim “ih vou fechar não”. E é séri eu sento perto da porta e sempre abre sozinha e não tem ninguém lá (de fora)”.

Por fim, o quarteto é perguntado se acredita na existência de fantasmas ou qualquer coisa do tipo, três afirmam que sim, uma que não. Dentre as afirmações positivas, uma dela completa: “as almas das pessoas ficam presas, é em qualquer lugar, você fica ali, morre ali e seu corpo é enterrado ali, sua alma vai ficar presa ali, querendo ou não”.

O cemitério da praça Frei Eugênio realmente existiu. As histórias da praça Frei Eugênio e de Uberaba estão ligadas. De acordo com o livro Uberaba, Matriz da Civilização do Brasil Central, de 1992, do historiador Pedro dos Reis Coutinho, em 1820, a cidade foi elevada a Freguesia, sendo a pequena capela que existia na praça Frei Eugênio transformada à condição de Matriz.

A primeira capelinha teve sua construção ordenada por Major Eustáquio. Se Major Eustáquio foi o pai da igreja, o cemitério construído logo atrás dela foi gerido por Frei Eugênio Maria de Gênova, um missionário nascido na Itália em 1812. No livro História de Uberaba, de 1974, escrito pelo historiador José Mendonça, conta-se que, diferente da capela, o cemitério funcionou de 1856 a 1900.

O parquinho

Carlos Leal Manzan, durante uma entrevista em 2019, para a construção de um livro-reportagem, falou sobre a experiência dele enquanto foi diretor do Sesi de 1985 até 1991. Engenheiro Civil, ele caminha entre a racionalidade e encosta no sobrenatural. “Naturalmente a madeira mexe mais do que a cerâmica e o concreto. Então, à noite, ouvia-se os estalos, supostamente estalos da madeira. Não vou dizer que não possa ser outro tipo de manifestação. O pessoal ficava um pouco preocupado.”

Quando foi feita a reforma do complexo Frei Eugênio, aproximadamente na década de 90, quando foi construído o teatro José Maria Barra, a ideia era fazer um parquinho para as crianças, um lugar para que elas pudessem brincar. Para que o plano saísse do papel era necessário fazer uma espécie de buraco, construir uma caixa de areia e erguer o parque em cima dela.

Os pedreiros deram início às obras e, em determinado momento, as escavações foram paralisadas. Alguém havia achado algo incomum, nada do que se encontra em reformas ou construções. Não era um pedaço de rocha. Eram objetos obtusos e, ao olhar uma segunda vez, não poderia mais chamar de objeto. Eram partes de um corpo humano, restos mortais de uma pessoa. Um, dois, três, quatro, cinco, talvez seis ossos humanos.

A obra foi interrompida para preservar o descanso eterno de alguém não identificado. “Houve uma comoção na época, o pessoal parou o trabalho por questão até de respeito”, confirma o ex-diretor Carlos Manzan. Os ossos foram levados para um local adequado e os trabalhadores voltaram para a construção do parquinho. Desta vez com a informação de que havia um outro tipo de parque a sete palmos dos pés deles.

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