GERAL

200 anos de lendas urbanas: o túmulo milagroso de um mártir assassinado

Alfeu foi morto a tiros e facadas há 62 anos e o espírito do taxista entrou para a memória popular

Raiane Duarte
Publicado em 03/03/2020 às 19:17Atualizado em 18/12/2022 às 04:37
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Foto Alfeu de Souza/Uberaba em Fotos

Na véspera de natal do ano de 1957, o taxista Alfeu Aparecido de Souza foi assassinado em Uberaba, durante uma corrida. A edição do dia 26 de dezembro de do Jornal Lavoura e Comércio noticiou o fato como "Crime bárbaro e revoltante: assassinado um jovem motorista por dois ladrões de carro, na véspera de Natal - Pretendiam roubar o carro e mudar as placas e o número do motor - a vítima só foi achada no dia de ontem - Sete tiros e várias facadas - A ação policial - Um fazendeiro dificultou a fuga dos criminosos - Preso um irmão de um dos ladrões - Elias Tosta e Antônio Garcia Alves estão sendo procurados pela Polícia como autores do sangrento assalto de véspera de Natal".

O que chama atenção no caso do Alfeu é que, após o crime, que ocorreu há mais de 60 anos, ele ainda é lembrado pela sociedade uberabense e é tido como figura milagrosa. O túmulo do taxista, que fica localizado no Cemitério São João Batista, é, junto com o do médium Chico Xavier, um dos mais visitados.

A historiadora Aparecida Manzan narra a história do Alfeu com respeito e carinho. Segundo ela, a jornada do taxista é uma parte lenda, mas também é uma verdade, pois ele existiu e morreu na cidade. “Ele foi assassinado no dia em que não era ele que iria trabalhar, saiu no lugar de um colega na noite de Natal. A mãe ficou esperando o filho para fazer a ceia, mas ele não voltou. Dois homens pegaram o táxi dele e o mandaram seguir sentido Capelinha do Barreiro. Ele foi barbaramente assassinado, sem motivo nenhum”.

“O Alfeu era uma pessoa muito pura, um rapaz muito novo e em torno dele criou-se a lenda de que ele é santo e se fortaleceu, deixou de ser lenda e virou uma crença popular, as pessoas transformaram o Alfeu em um Santo Popular, Santo do Povo. Fomos (equipe de historiadores) no cemitério há pouco tempo pesquisar e eu estava em volta do túmulo, as pessoas vão chegando e te contando histórias: “olha eu consegui uma graça”! Agora a igreja ainda não o adotou, ainda não percebeu, ou talvez não tenha informação o suficiente para pedir a beatificação do Alfeu, pois é preciso que haja documentos comprobatórios, que haja graças comprovadas”.

“Ao mesmo tempo que é uma lenda, Alfeu é uma crença popular e ficou na memória do povo de Uberaba, na história da cidade. É uma pessoa que realmente se transformou em um mártir. É um mártir dos motoristas. Várias pessoas vão pedir graça, proteção e dizem que conseguem. É algoque merece uma pesquisa diferente”, pontua Manzan.

Luiz Lazarini, 79 anos, é um dos motoristas mais antigos da Praça Rui Barbosa, ele já trabalhou em outras funções, mas sempre esteve ligado ao centro da cidade. “Conheci o Alfeu, ele lavava pneu aqui (na Rui Barbosa) e eu era cobrador da Líder, na época eram poucas linhas de ônibus e a cidade era pequena. Ele morava na rua Campos Sales, ainda resta alguém da família dele, não sei quem, mas ele deve ter sobrinho. Conheci a mãe dele, conheci irmão”.

Lazarini, mesmo passado todo esse tempo, se lembra com clareza dos fatos e se recorda com exatidão dos nomes dos assassinos. “Depois o Alfeu passou para motorista e foi quando o Elias Tosta e o Antônio Garcia pegaram ele aqui, em uma noite de 24 para 25 de dezembro e levaram ele para o Chuá e mataram”, conta.

O motorista também explica, que na época, o crime comoveu muito toda a sociedade, principalmente a classe de taxistas. “O Antônio Garcia morreu agora há pouco tempo, ele morava aqui perto de Verissimo, numa fazenda lá. E quando foi o dia do julgamento teve até uma agressão, foi complicado. Eu não fui lá, mas fiquei sabendo através do jornal que um colega nosso partiu para cima dele lá, andou dando umas pancadas”.

Quanto à santidade de Alfeu, Luiz Lanzarini confessa que nunca pediu nada ao amigo, mas que acha isso tudo uma coisa estranha. “Tudo é a fé. Diz que a fé move montanhas, então está aí. Mas é uma realidade, tudo que você quer na vida e que confia acontece, seja bom ou ruim e eu tenho experiência o bastante para falar sobre isso. Então está lá também, sei que as pessoas dizem e vão no túmulo fazer pedido”.

“Ele subia comigo no ônibus, eu era cobrador e fazia a linha do Abadia, entrei lá com 12 anos e sai com 20 anos, sai de lá motorista já. Quando o Alfeu faleceu não fui no velório, não fui visitar o túmulo. É engraçado, tem gente que tem curiosidade de ver, eu não tenho, não gosto de ver essas coisas. Mas eu fiquei chateado, sabe, eu trabalhava de cá e ele de lá (em lados diferentes da Praça Rui Barbosa)”, lamenta. Hoje, Lazarini guarda apenas lembranças de Alfeu vivo em uma Praça diferente da de hoje.

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