ARTICULISTAS

Não é ela

Para uma boca sedenta, o melhor que há é uma outra. Aquelas que se molham como riacho de águas cristalinas que a tudo encharca

Gilberto Caixeta
Publicado em 02/02/2010 às 00:57Atualizado em 20/12/2022 às 08:19
Compartilhar

Para uma boca sedenta, o melhor que há é uma outra. Aquelas que se molham como riacho de águas cristalinas que a tudo encharca, e aí, assim, todo corpo desliza em águas. Bocas sedentas irrigadas pela água fazem o corpo movimentar por mãos que correm em velocidade retilínea se acariciando sem pudor. Bocas sedentas fazem do corpo um espaço percorrido por uma harmonia de barrigas e umbigos a se encontrarem em musicalidade aquosa. Braços e antebraços são contrabaixos, ritmizando pernas e pés em dança entre lençóis e travesseiros jogados ao chão. Donde os olhos desnecessitam de luz, porque não se veem, sentem o sangue a correr estufando veias sedentas porque sedentas estão também. Bocas sedentas se encharcam de uma água que é rio minado de poros em corpo em cavalgada rítmica, musical. O som que se ouve é o de estalar de lábios, é o grunhido da não-dor, é o retesar de músculos explodindo em latejo inexorável da entrega.   Ela que é não é mais. Entregou-se. Entregaram-se. O riacho a lavá-los com a água brotada tornando-os escorregadios em corredores percorridos. Por um instante se olham, com olhos de pêssego mordido, sorriem com lábios de tamarindo e se afastam, como kiwi à espera do descascar em volúpia de fome e constrangimento do querer sem poder tê-lo por inteiro. Ele que é não é mais. Seu corpo responde aos sentimentos, arrepia-se como em noite de susto, se entrega no odor e é devorado pelo riacho que quer mais sem tudo lavar.   Se olharem, verão olhares que busca a acalma, e, ele, em seu desconsolo, se vê inconsolável. Não há o que se explicar porque está posto, assim. O riacho recua em suas águas, diminui as suas correntezas recolhendo os poros. Faz do harmonioso o imponderável, da cavalgada o trotar sem patas, enquanto que a musicalidade é recolhida em repartições internas não esquecidas. Se veem. Olham-se e a conversa se inicia pelo sorriso. Sem deboche, sem estridência. Só e, unicamente, um sorriso, talvez por não tê-lo aonde guardá-lo fora dos lábios sedentos que se molharam e que aquietou. Parou numa morbidade que a natureza não queria, mas, que o tempo impôs, mesmo não querendo a dor do não querer.   Não se olham, falam. Coube a ele o início; isso nunca aconteceu comigo antes. Frase sofrida para quem diz e para quem ouve. Ela não é a culpa, não é dele a culpa. Só há o fato. Que não se explica, vive-o numa intensidade de segundos que tornam séculos de segundos sem ar, sem fala, de alma e corpo encolhidos no riacho que não mais lava, deixando-os às margens para um descanso que não se quer, que não se recupera. Ficam os corpos, que se encontraram e se molharam de um riacho cristalino mesmo sem cachoeiras, atirados sobre os lençóis sobre travesseiros a olhar o que não se vê.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Logotipo JM Magazine
Logotipo JM Online
Logotipo JM Online
Logotipo JM Rádio
Logotipo Editoria & Gráfica Vitória
JM Online© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por