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Não a pedra no caminho

Uma pedra. Uma enorme pedra. Lá no alto, morro agressivo, e a pedra ameaçadora em seu cume

Terezinha Hueb de Menezes
thuebmenezes@hotmail.com
Publicado em 22/01/2011 às 22:22Atualizado em 20/12/2022 às 02:03
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Uma pedra. Uma enorme pedra. Lá no alto, morro agressivo, e a pedra ameaçadora em seu cume. Uma enorme pedra. Não a pedra no caminho, tão decantada por Drummond: “Tinha uma pedra no meio do caminho/ no meio do caminho tinha uma pedra.” Pedra no caminho é fácil de lidar. Podemos demovê-la, se não dermos conta sozinhos, chamaremos amigos e, num trabalho mesmo que exaustivo, será possível afastá-la de nosso trajeto. Caso seja impossível, poderemos ainda contorná-la, ainda que as passadas se multipliquem e o cansaço quase faça esmorecer ou desistir da empreitada.

Enorme a pedra. A montanha lisa, equilibrando-a no cimo. Ela mais agressiva, em seus contornos, que a própria ladeira, espreitando, do alto, suas possíveis vítimas. Basta um empurrão. Com a força das águas, mais fácil ainda. E a pedra, não a pedra do caminho, mas a enorme pedra da encosta de um entre tantos morros do Rio de Janeiro, olha lá embaixo, mede distâncias, imagina velocidade, mira seu alvo. Casas simples, agarradas ao morro, cercadas de medo e de espanto. Onde morar? Que espaço está reservado para os pobres? Para os sem teto? Para os sem chão? Fosse possível, seriam pendurados no espaço, que o ar é livre, para quem quiser.  Nada se cobra, por enquanto. As águas dos rios já abrigam muitas moradas. Palafitas. E nas enchentes, o medo campeando os pobres moradores, invasão intrometida das águas. Mas a terra... como conquistá-la? Como ter direito a ela? Pendurar no ar, impossível. Pendurar, então no morro, ou grudar-se a ele.

Mas a pedra continua lá. Assustadora. E a mulher, lá embaixo, vigiando. Noite inteira e ela de olho no imenso bloco, temendo novas correntezas que derrubassem tudo, que mergulhassem, no seio das águas, mais casas, mais famílias, muito mais pessoas. Sorrateiramente. E ela vigiando. Pedindo, possivelmente a Deus, que segurasse, com suas mãos divinas e onipotentes, aquela pedra que ameaçava sua casa e sua vida. Ser frágil, se à mulher fosse dado algum poder, com certeza se transformaria em Hércules, para suster a pedra, ou em Moisés, para estender as mãos sobre as águas e sossegá-las.

Nessa impossibilidade, ela ainda mira lá no alto a enorme pedra, quase lhe petrificando o olhar, antevendo a iminência do desastre: com certeza, como em Drummond, a pobre mulher sente que seus ombros suportam o mundo – da miséria, do não ter para onde ir, do medo, do desprezo das autoridades, do abandono. Antes aquela pedra fosse apenas uma pedra no caminho...

(*) educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças; membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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