Ali, na ladeira, onde hoje se encontra a Faculdade de Medicina
Ali, na ladeira, onde hoje se encontra a Faculdade de Medicina. As grades externas do andar superior, abrigando ou obrigando detentos. É a cadeia. O nosso medo. Os olhos de criança vendo, os pensamentos fervilhando na cabeça. Sem entender. Aquelas sombras por detrás das grades, vistas todos os dias. Um clima de mistérios. De segredos.
A cena se repete. Dia após dia. A menininha subindo a rua, devagar. No uniforme de estudante. Duas mãos acenando, a dela e a de um detento. Acenos intermináveis. Ela, caminhando quase de lado, os olhos fixos naquele quadrado gradeado de uma cela. Dali, apenas um braço, e a mão acenando, lenta e tristemente, até que a menina suma portão adentro da escola.
A linguagem das mãos. Nem uma palavra. Apenas as mãos acenando. Parecendo um adeus que termina, para recomeçar no dia seguinte. E dizem. Dão a impressão de ter vidas independentes. Como se ambas, a mão da menina e a do prisioneiro, possuíssem olhos, boca suspirando, lágrimas escorrendo, preces segredadas, entrega e esperança. Principalmente esperança de que outro dia virá, outros acenos, outras esperas.
Os muros da vida isolando seres que se amam. E eu sem entender. São pai e filha? E se são, onde a verdade dos fatos? A verdade dele, a verdade dela, a verdade da justiça. O lado da culpa, o lado da inocência, o lado do perdão ou o lado da revolta.
A fragilidade e a pequenez da criança diante de uma realidade que talvez jamais entendesse: tanta gente nas ruas, num ir e vir livre, os pássaros acordando manhãs e primaveras, as nuvens soltas no firmamento, e ele preso. Animal enjaulado. Ela presa também. Que liberdade verdadeira não pode ter grilhões de revolta, ou de tristeza, ou de inconformidade. Ela presa. Sem acreditar, com certeza, que ele seja mau. Não lhe acena todos os dias? Aceno de amor, isso sim, de amor distante, ao mesmo tempo tão próximo. Mas amor. E, se ama, é bom. O mundo se veste de crueldade. Talvez a menina nem se lembre mais do rosto do homem: tudo se reduzira à mão que acena. Homem sem rosto, sem pernas, sem corpo. Apenas sombras, e a mão acenando.
Na alma da criança, na sequência de dias que se repetem na mesma espera, certamente um fio de esperança, crendo tornar-se correnteza: as muralhas dos homens serão vencidas. A culpa, dissolvida no sofrimento. A claridade de uma vida diferente, desbastando caminhos...
Nota: Texto do livro Assim como nós, a ser lançado no segundo semestre.
(*) Educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo MineiromailtMineirothuebmenezes@hotmail.com