A mania era de guardar as coisas, guardava tudo. Nada era perdido e nem transformado, mas, sim, guardado. Tomou gosto pelas coisas e, as coisas se apoderaram dele
A mania era de guardar as coisas, guardava tudo. Nada era perdido e nem transformado, mas, sim, guardado. Tomou gosto pelas coisas e, as coisas se apoderaram dele, sem que ele pudesse se desvencilhar delas. Chegou a fazer uma dispensa em casa só para guardar a geladeira estragada, o fogão velho, a máquina de costura, que não mais costurava, o lampião enferrujado, pedaço de arame, de barbante, chave de fenda torta, parafuso, prego, sapato velho, roupa estragada, vaso sem flores, flores de plástico. Nada era dado e quando alguém batia à sua porta pedindo alguma coisa, de imediato dizia que não tinha nada naquele momento. No entanto, levantava expectativas no pedinte dizendo; passe em outra hora, porque agora não temos nada. Guardava lata velha, latinha de bebidas e de alimentos, ventilador estragado, corda, calota de carro.
Certo dia, andando pela rua, viu um criado todo estragado, mas mesmo assim o desmontou e levou as gavetas, só para colocar os parafusos e pregos que ficavam dentro do vidro de maionese. Os vasilhames de margarina viravam pratinhos para levar guloseimas da casa dos filhos para a sua casa, e até mesmo para carregar comida de uma casa para a outra. Tudo que havia em casa não jogava fora. A sua “munhequice” se estendia às guloseimas. Escondia os seus biscoitos, chocolate, e contava as frutas na geladeira, na fruteira. Quando se fazia um novo café, tinha que misturar o resto feito pela manhã e, o pior, carregava a chave da dispensa onde acondicionava as compras de supermercado.
Ao chegar a casa, certo dia, notou a falta de bananas e laranjas. Perguntou onde estavam as frutas que ele havia deixado sobre a mesa na fruteira. A doméstica, tratada como escrava, disse: as joguei fora, afinal, estavam podres e cheias de mosquitinhos. Seu “munheca” ficou pasmo, com a ousadia da escrava doméstica. No entanto, ele não permitia à empregada escrava se alimentar destas guloseimas sem a sua prévia autorização e acreditou que ela havia comido as frutas. Comida perdia, mas a coitada não podia comê-las.
Certo dia, olhando os objetos guardados na dispensa deixou a vela queimando, usava da vela para economizar energia, e foi tirar um cochilo. Mais tarde ao acordar sentiu um cheiro danado de queimado. Gritou pela doméstica escrava, que saiu correndo ao seu encontro, interrogando-a sobre aquele cheiro de queimado. Ela disse que o cheiro vinha da dispensa, mas, como ela estava proibida de entrar naquele local, nada pode fazer, mesmo gritando por ele, que dormia como uma criança.
Enquanto explicava, seu “munheca” tentou levantar rapidamente, tonteou, rodou, caiu novamente na cama e gritou pelo amor de Deus, que salvassem os seus pertences. Pacientemente, a empregada doméstica escrava, pegou a chave sob o seu travesseiro, caminhou rumo à dispensa, mas antes, passou pela geladeira pegou uma maçã, bebeu um pouco de suco, que ela sempre preparava, mas não podia beber. Esticou a borracha, abriu a torneira e deu um belo banho nas coisas amontoadas na dispensa. Lavou com um sorrio de vingança, enquanto o seu “munheca” chorava as perdas.
(*) professor