Chuva ininterrupta. Céu parecendo vir abaixo. Água desabando do alto. Morros esbarrancados, casebres misturados à água e lama. Soterrados
Chuva ininterrupta. Céu parecendo vir abaixo. Água desabando do alto.
Morros esbarrancados, casebres misturados à água e lama. Soterrados. Lares com vida – de homens e mulheres que trabalham, de crianças que encaram a vida com alegria, mesmo que tangidas pela miséria extrema.
Aquela esdrúxula construção se faz passando por cima de um córrego. A outra parece dependurada no alto do morro, prestes, aos nossos olhos, a despencar lá de cima. E tantas outras, incontáveis, na mesma situação.
Fico pensando na insegurança de homens, mulheres e crianças em dias ou noites de chuva intensa. Muitos saem de casa temendo o pior.
Algumas pessoas, incautas, ainda criticam as famílias que fazem dos morros suas moradas: esquecem que são seres humanos marginalizados, empurrados para a situação de miséria e abandono. Se não encontram guarida em lugar apropriado, para onde ir?
Cristo, certa vez, queixou-se: «As raposas têm as suas tocas e as aves do céu os seus ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça». Assim os carentes: sujeitando-se a toda sorte de abandono.
O preocupante é que, onde existe a miséria material, é mais fácil proliferar outros tipos de miséria: assim, a droga se instala mais facilmente, a revolta impulsiona à violência, o desânimo se alastra, promovendo todas as modalidades para driblar os problemas. E aqueles que buscam resolvê-los, na honestidade, mesmo em meio ao turbilhão de agruras, esses se sentem ainda mais castigados pelo sofrimento, lutando contra correntes antagônicas: o crime que grassa com facilidade e o esforço para sobreviver honestamente.
Repito o que já disse outras vezes: se o ser humano ocupa um lugar no planeta, tem direito a um espaço que o abrigue. A terra, como o ar e a água, é direito de todos.
As falhas, entre outras, para que a situação se agrave? Basta lembrar episódio recente: o nosso dinheiro, arrancado de pesados tributos, justamente para suprir as carências sociais na saúde, educação, moradia, segurança e muito mais, vai, desavergonhadamente, para bolsos, cuecas e meias dos políticos corruptos. E enquanto os carentes de todos os bens sociais sofrem para conseguir pelo menos sobreviver, aqueles que nos roubam ainda têm a coragem de se unir, abraçados, em oração, para agradecer os benefícios recebidos. Como se Deus fosse comparsa de bandidos.
Parece o fim dos tempos...
(*) educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro