Estimado leitor, você provavelmente se lembrará da Maria de Fátima, personagem vivida pela atriz Glória Pires na novela Vale Tudo. Depois que seu avô morre, vende a pequena casa
Estimado leitor, você provavelmente se lembrará da Maria de Fátima, personagem vivida pela atriz Glória Pires na novela Vale Tudo. Depois que seu avô morre, vende a pequena casa onde morava com a mãe, Raquel, vivida por Regina Duarte, e parte para o Rio de Janeiro para tentar, a qualquer custo, subir na vida. Casar-se com um homem rico é uma das alternativas possíveis e Maria de Fátima não mediu esforços para conseguir o que quer.
Essa foi parte da trama da novela que a Rede Globo de Televisão exibiu entre maio de 1988 e janeiro de 1989, no horário das 21h. Outras duas personagens que ficaram muito famosas foram Odete Roitman, vivida por Beatriz Segall, que acabaria assassinada, e sua filha, a pintora Heleninha Roitman, vivida por Renata Sorrah.
A personagem de Glória Pires, Maria de Fátima, era a síntese de um Brasil que existia, mas queríamos que não existisse. Sórdida nas suas relações, ambiciosa e sem qualquer tipo de escrúpulo, ela passava por cima de qualquer preceito ético para conseguir vencer na vida. A identificação entre algumas pessoas, que querem vencer na vida de qualquer maneira, com as principais personagens da trama da novela foi imediata, e a novela, como não poderia deixar de ser, foi um tremendo sucesso. Víamos na ficção do folhetim a falta de senso moral da realidade.
Pois bem. Na semana que passou, vivemos mais um capítulo dessa triste novela. A diferença é que, desta vez, aconteceu na vida real. Assistimos, estarrecidos, ao piloto de Fórmula 1 Nelson Ângelo Piquet, filho do tricampeão da categoria Nelson Piquet, assumir, num documento oficial, ter simulado um acidente no GP de Cingapura de 2008 com o intuito de beneficiar seu companheiro de equipe, Fernando Alonso, que, à época, venceu a prova.
Até onde entendi, Nelsinho Piquet (como é mais conhecido) aceitou um muito estranho “convite” de um diretor e de um mecânico da sua equipe para falsear a batida. Segundo seu relato, ele estava angustiado com a possibilidade de não ter seu contrato de trabalho renovado pela equipe Renault e julgou que, aceitando o tal convite, poderia facilitar sua permanência na Fórmula 1 do ano seguinte. O diretor e o mecânico envolvidos no caso negam peremptoriamente as acusações e dizem que o piloto é quem os estava chantageando para permanecer na equipe no ano seguinte, fato que acabou acontecendo.
Se a mando da equipe ou não, se por conta própria ou acatando as instruções de alguém, o fato de um esportista apelar para tão vil comportamento para se manter no emprego ilustra bem o quanto o clima de “vale tudo” está presente entre nós. É o triunfo do modus operandi das Marias de Fátima espalhadas mundo afora, que defendem que tudo vale quando estão em jogo os seus interesses. Não por acaso, vivemos no tempo em que pai beija filha de oito anos na piscina, avô Presidente do Senado arruma emprego para namorado da neta, e por aí vai.
E o fato de o piloto dizer que o fez por estar abalado emocionalmente não o exime de punição. Ele simplesmente podia ter dito não. Caso perdesse o emprego, não perderia a honra. E “de quebra”, inscreveria seu nome na história como alguém que não aceitou ser conivente com esse tipo de maracutaia. O duro é que é mais fácil uma galinha ciscar para a frente do que ver alguém preservar a honestidade em detrimento do bolso.
(*) doutorando em História e professor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira, da Facthus e da UFTM [email protected]