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Lição

Menino lindo. Seis anos. Olhos azuis e cabelos dourados

Terezinha Hueb de Menezes
Publicado em 27/10/2013 às 11:46Atualizado em 19/12/2022 às 10:27
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Menino lindo. Seis anos. Olhos azuis e cabelos dourados. Saudável. Inteligente. Joga xadrez, com a competência de gente grande. E joga com gente grande.

Inicia-se a partida. Ele, de saída, ganhando. O tio, jogando de igual para igual, com dificuldade, porém, de ultrapassar o desempenho do garoto. E pedra vai, e pedra vem. Peão. Cavalo. Torre. Bispo. Rainha. Rei.

Revira o jogo. Sutilmente, o adulto avança pequena dianteira. O menino loiro, de olhos azuis, não vacila. Mistura as peças e dá o jogo por encerrado.

O pai a tudo assiste. Chama o filho às falas, que educação se faz assim: observando, elogiando, mas corrigindo, quando necessário. E o momento exige correção. Não podia ser assim. Mesmo criança, carecia saber enfrentar os desafios e levá-los até o fim, ainda que com o risco de perder. O garoto não concorda. Perder nunca. Não quer perder. Não admite perder. Chora, emburrado. Isola-se, como em outras vezes, em que, com os primos, perdera alguns pênaltis. Olhos inchados pelo pranto convulsivo. O pai aguarda a calma. O momento certo. É preciso saber esperar. Tempestade precisa amainar. Reabrir o sol interior da bonança.

O pai se aproxima. O filho recosta-lhe a cabeça ao peito, os louros cabelos agora acariciados com ternura. Escuta as palavras do adulto, sorvendo-as com serenidade e atenção.

A vida não se faz apenas de vitórias. Nas lutas, existem os que ganham e os que perdem. Em outras vezes, os perdedores podem ser os vitoriosos. No futebol também (e o garoto amava o futebol). Já pensou se só um time ganhar sempre? O gosto acaba. Os vencedores estarão sempre alegres e os perdedores sempre tristes. Aí desaparece o interesse. O gosto pelo esporte. E vitória não se consegue no “grito”, à força, ou espalhando as pedras. Que as pedras da vida, na maioria das vezes, não há como espalhar. É preciso saber carregá-las e, quase sempre, sozinhos. Cada um de nós tem que possuir força suficiente para suportá-las, algumas mais pesadas, outras mais leves. O garoto não entende a metáfora: carregar pedras? Por que seria preciso carregar pedras? O pai traduz e completa. Criança precisa aprender. Para virar gente de bem. Ouvir os pais. Ouvir o coração dos pais. Ouvir o amor dos pais, mesmo quando a fala parece “brava”. Bandidos existem E não nasceram bandidos. Se eles atiram nos outros, talvez seja por ter faltado a fala dos pais. O ensinamento dos pais, na hora precisa. As broncas e os ensinamentos. O interesse da criança aumenta. “Papai, eu nunca vou atirar em ninguém!”, o que demonstra a vontade de aceitar aquilo que lhe está sendo passado.

O canal se abre. A permuta acontece. “A vida, meu filho, cobra muito de nós. Por isso precisamos estar preparados. Saber ganhar, com humildade. Saber perder, com dignidade.” Sem entender bem as palavras, a criança entende o recado. E, olhos nos olhos, entremeando o azul brilhante – lago em expansão de profundidade – do olhar da criança no olhar maduro e experiente do pai, como as águas que, na permuta, se filtram e se iluminam, brota dos lábios do filho o pedido sincero e humilde: “Pai, me ensina a perder!” Acabava, mais uma vez, de se atar o laço do amor entre pai e filho...

NOTA: Filhos e netos, muitas vezes, nos dão lições surpreendentes.

(*) Educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças; membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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