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Kaká e o BBB9

Estimado leitor, dois recentes fatos, aparentemente sem ligação, muito têm a nos mostrar em matéria de comportamento humano.

Mozart Lacerda Filho
Publicado em 03/08/2018 às 10:18Atualizado em 20/12/2022 às 14:29
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Estimado leitor, dois recentes fatos, aparentemente sem ligação, muito têm a nos mostrar em matéria de comportamento humano.   Kaká, eleito pela FIFA o melhor jogador de futebol do mundo em 2007, recusou 110 milhões de euros, cerca de 315 milhões de reais, para transferir-se do Milan, seu atual clube, para o inglês Manchester City, que tem como dono o bilionário árabe Mansour bin Zayed Al Nahyan. Caso aceitasse, o brasileiro receberia a “bagatela” de 50 milhões de reais por ano. Kaká alegou que quer envelhecer jogando pelo Milan, que deseja ser seu capitão no futuro e, o mais surpreendente, sobretudo em tempos atuais, que ganhar (mais) dinheiro nem sempre é a coisa mais importante da vida.   Para tornar a atitude de Kaká ainda mais interessante, o presidente do clube milanês, o empresário e primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, de olho nos milhões de euros que seu clube-empresa iria lucrar, liberou o jogador para prosseguir com a transação. Caminhando na contramão dos costumes contemporâneos, Kaká, ao recusar a maior proposta da história feita por um jogador de futebol, mostra uma singularidade rara nos dias de hoje: não nortear suas ações única e exclusivamente em torno de dinheiro. Contrariando a lógica comum, Kaká não foi capaz de tudo para ficar mais rico. O outro episódio a que quero me referir é a estreia, via rede Globo de televisão, de mais um Big Brother Brasil, que, neste ano, chega à sua nona edição. De um ano para o outro, muitas coisas mudam: as regras de acesso à casa, número e idade dos participantes, formas de eliminação, etc. Entretanto, um aspecto permanece inalterado desde a primeira vez que o programa foi ao ar: a vontade e o desejo confesso dos que participam de ficarem milionários e famosos, o que em si mesmo, sejamos francos, não configura nenhum problema.   O que preocupa, no entanto, é quando os participantes não enxergam despudor algum em bradar, aos quatro cantos, que são capazes de fazer tudo em nome do prêmio e da fama. Se precisarem mentir, mentirão; se precisarem enganar, enganarão; se precisarem formar panelinhas, formarão.   E o mais grotesco nesse vale-tudo em nome da fama e do dinheiro é que, em momento algum, os espectadores enxergam isso como algo depreciativo, a ponto de concordar com as essas atitudes, que, em muitos casos, são de caráter ético extremamente duvidoso.   Santo Agostinho, filósofo medieval, escreveu, no século IV da Era cristã, um diálogo intitulado A Vida Feliz e que, a despeito dos seus 1600 anos de idade, se mostra bastante atual. Questiona o filósofo, nessa obra, o que é necessário para que os homens pudessem ser verdadeiramente felizes. Conclui Agostinho que só somos quando nos apropriamos de algo que, em hipótese alguma, podemos perder. Somente na posse daquilo que não se esvai, os homens podem experimentar a verdadeira noção de felicidade.   O que diferencia o comportamento dos participantes do novo BBB, que são capazes de fazer tudo por um milhão de reais e pela fama, do de Kaká, ao não deixar-se seduzir pelos milhões do sheik árabe, é, entre outras coisas, o fato de que o segundo conseguiu inscrever, para sempre, seu nome na história do clube que defende e na do próprio futebol. Algo, portanto, que não se perde.   Em contrapartida, o futuro ganhador do BBB 9 será relegado ao ostracismo tão logo termine o programa. Porque, mesmo com uma bolada no bolso, ninguém se lembrará do seu nome por muito tempo.       (*) doutorando em História pela Unesp/Franca; professor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira e da Facthus Mozart escreve semanalmente neste espaço  

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