ARTICULISTAS

Inteligência ou oportunidade?

É comum a gente ouvir a afirmação de que as crianças de hoje são mais inteligentes do que as crianças de tempos passados

Padre Prata
Publicado em 28/08/2010 às 19:46Atualizado em 20/12/2022 às 04:35
Compartilhar

É comum a gente ouvir a afirmação de que as crianças de hoje são mais inteligentes do que as crianças de tempos passados. Pensando assim, estamos criando um mito, pois estamos julgando os fatos em cima de falsas perspectivas. As crianças de todos os tempos são inteligentes. As crianças de hoje são muito inteligentes? São, ninguém nega, mas as crianças dos séculos passados também eram. Hoje, criança nenhuma nasce com um “chip” incrustado no cérebro. Atualmente, há crianças gênios na eletrônica? Há, e muitas. Mas não é difícil lembrar de que, aos 15 anos, Dom Pedro II falava fluentemente quatro idiomas. Mozart aos 5 anos compunha sonatas. Blaise Pascal aos doze anos “solucionou” (não sei se o termo é esse) o famoso Teorema de Pitágoras (“a soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa”, que sei de cor até hoje sem entender patavina do que se trata). O problema não é de ser mais ou menos inteligente. A razão é que as crianças de hoje têm maiores oportunidades de desenvolvimento intelectual. Aos dois anos já estão com os olhos grudados na televisão. Aos cinco ganham joguinhos eletrônicos. Aos sete ganham um computador e, na matéria, se tornam nossos professores. No “Play Station”, quando não conseguimos marcar um gol neles é porque somos burros. E assim, vão criando a imagem dos pequenos gênios que passam a nos olhar de cima para baixo. Frente à máquina são de espantar, mas não sabem ler, sua caligrafia difere pouco dos hieróglifos e sua gramática leva-os a tomar bomba em qualquer ditado.

As crianças de meus tempos não sabiam o que era televisão e toda essa parafernália eletrônica que invadiu nossas casas e criou novas necessidades. Mas não eram menos inteligentes. Éramos até mais criativos. Se não havia dinheiro para comprar brinquedos, nós os fazíamos. Morei doze anos numa fazenda, nunca tive um brinquedo comprado. Sonhava com um velocípede. O que fazíamos, então?  Criávamos nossos brinquedos. Montávamos pequenos currais com pedaços de bambu, os bois eram pequenas laranjas com espinhos servindo de pés e de rabo. Fabricávamos arapucas e pequenos mundéus para pegar pombinhas juritis e rolinhas “fogo-pagôs”.  Sabíamos como subir em árvores para apanhar as melhores mangas. Montávamos nossa tralha de pesca, só comprávamos os anzóis.  Fabricávamos as linhas “furtando” cordonês (linha grossa de bordado) de nossas irmãs. Sapecávamos as varinhas de bambu jardim, uma por uma para que ficassem bem retinhas e depois íamos para os córregos atrás dos lambaris e das cambevas. Montávamos estilingues que eram verdadeiras obras de engenharia. Fazíamos pequenos aviões com talos de folha de buriti e as naceles com ampolas de injeção. Éramos criativos. Não havia criança triste correndo atrás de psicólogo. Éramos muito felizes. À noite, ouvíamos os adultos contando estórias que aconteceram não sei onde. Casos que falavam de fadas, duentes, gnomos, almas penadas, mulas-sem-cabeça, lobisomem, bruxas, bicho-papão, negro-d’água e outros personagens que povoavam as noites escuras.  O “bem” sempre vencia o “mal”. E éramos felizes. Só que a gente não sabia.  Não éramos menos inteligentes. Acontece é que nascemos num tempo em que as crianças não tinham as oportunidades de hoje.  Vocês já pensaram nas crianças que irão nascer lá pelos anos de 2030?

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Logotipo JM Magazine
Logotipo JM Online
Logotipo JM Online
Logotipo JM Rádio
Logotipo Editoria & Gráfica Vitória
JM Online© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por