O neologismo instrumentalizar significa: usar como instrumento
O neologismo instrumentalizar significa: “usar como instrumento para atingir determinado fim”; “servir-se de alguém como coisa, meio ou instrumento para atingir os seus fins”.
Tal mecanismo sempre existiu no meio dos homens. E hoje mais do que nunca. Por decorrência dele, a dificuldade em se reconhecer as verdadeiras amizades. Aquelas em que se pode confiar inteiramente, sem receio de manipulação, de artifícios enganosos, de elogios falsos, de aproximações interesseiras.
É evidente que uma pessoa pode pedir a um amigo, com transparência, que interceda por ela em determinada situação, solicitando favor. A verdadeira amizade permite tal tipo de ajuda. O relacionamento sincero possibilita partilha de dificuldades e de alegrias.
Não é o caso, porém, da instrumentalização do ser humano, quando este é usado para atingir determinado fim de pessoa interesseira que, sem mais nem menos, de repente, passa a assediar o eleito com prestígio, com riqueza ou com poder.
Lembro-me de uma história contada por Millôr Fernandes: um pobre coitado, só em sua pobreza, de repente se vê milionário com o acerto na loteria. Imediatamente, milhares de amigos, festas, esbanjamentos, explorações, até que o dinheiro sumiu e, com ele, os amigos. Vidinha antiga de pobreza. Mas o homem continuou a jogar e, contrariando o ditado de que o raio não cai duas vezes no mesmo lugar, eis que o homem novamente ganhou na loteria. Do novo a multidão de amigos, saídos não se sabe de onde. E ele, desanimado, diz mais ou menos o seguinte: Vou ter de aturar de novo a festa da vida?
Logicamente a festa seria a manipulação a que ele seria submetido, a exploração dos falsos amigos, a instrumentalização de um ser humano, invólucro, apenas, para a fortuna recebida.
Vejam na política, vejam nas hierarquias em todos os sentidos. Por isso se diz: “rei posto, rei deposto”, o que significa abandono ao ser humano que de nada mais serve para os interesses de outros.
Assim, instrumentalizar o ser humano significa servir-se dele enquanto útil para alguém que deseja atingir determinado objetivo. E apenas esse objetivo é relevante: o outro nada significa: não há preocupação com o que lhe vai na alma, com suas angústias, com seus problemas, com seus anseios de ver mãos estendidas em gestos autênticos de bondade, de olhares de compreensão, de encontrar, no fundo do coração, a certeza de estar com gente confiável e verdadeira.
Por tudo isso, instrumentalizar diz respeito à carcaça que reveste o dinheiro, à carcaça que cobre o prestígio, à carcaça que envolve o poder, enquanto dinheiro, prestígio e poder existirem.
Findos tais atributos, a carcaça, que nada significa para o manipulador, como se feita de pano, debruça-se sobre si mesma e perde o encantamento que julgava distribuir em sua volta.
Nos momentos difíceis é que se conhecem os verdadeiros amigos, aqueles que, a despeito das perdas materiais, continuam atentos, solidários, presentes, uma vez que sabem enxergar no outro os autênticos atributos interiores, que nada destrói, por serem permanentes.
Por isso as sábias palavras do evangelista Mateus: “Não ajunteis tesouros aqui na terra, onde a
traça e a ferrugem destroem e os ladrões assaltam e roubam.” E eu me permito deduzir: traças, ferrugem e ladrões estão também para aqueles sempre preocupados em instrumentalizar seres humanos, no conhecido processo de reificação, de “coisificação”.
(*) Educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro