Como foi dito no artigo anterior, daqui por diante transcreverei, ipsis litteris, o Cap. XIV — “Caridade, Flor dos Mortos” —, de Sepultando os Meus Mortos, de Humberto de Campos
Como foi dito no artigo anterior, daqui por diante transcreverei, ipsis litteris, o Cap. XIV — “Caridade, Flor dos Mortos” —, de Sepultando os Meus Mortos, de Humberto de Campos:
“Eu havia descido do automóvel à porta da Casa de Saúde, único lugar de recreio que visito há cinco meses [HC era portador de um tumor na hipófise e apresentava um quadro de acromegalia], quando um cavalheiro idoso, pondo à descoberto a calva lustrosa e ampla, se aproximou, pedind
— Dá licença? Estava aqui à sua espera. Disseram-me que era o único lugar em que o senhor podia ser encontrado.
— Por enquanto. Dentro de alguns meses, as minhas recepções serão à porta do cemitério. [O autor partiu para o Além a 5 de dezembro de 1934.]
O homem sorriu:
— Curioso! Pois é, exatamente, sobre cemitério que eu venho conversar com o senhor!
Encostei-me à parede, para gemer mais devagar. Não há turista que não goste de ter notícias da terra para onde vai embarcar.
— Eu sou de Uberaba — continuou o cavalheiro. — E venho falar com o senhor de assunto que interessa aos vivos e aos mortos.
— E eu sou vivo, ou morto?
O cavalheiro teve uma saída gentil:
— O senhor é... ‘imortal’!
Sorrimos os dois, e ele entrou na matéria, ao mesmo tempo em que esgaravatava, no chão, com a ponteira do guarda-chuva, o interstício entre dois paralelepípedos:
— Como disse ao senhor, eu sou de Uberaba, e queria que o senhor introduzisse no Rio de Janeiro um hábito que ali se arraigou, e de que temos tirado resultados excelentes. E esse se resume em dar às flores unicamente uma funçã a de símbolo da alegria dos vivos. Abolimos, lá, inteiramente, as coroas mortuárias. Onde há flores, há festa, há contentamento. Onde se chora, não há rosas nem lírios.
— E como demonstram os senhores, por lá, aos mortos, a saudade dos vivos?”
No próximo artigo daremos continuidade a capítulo tão belo quanto este de nosso Humberto de Campos, que mereceu de seu filho, Humberto de Campos Filho, a obra-prima que é Irmão X, Meu Pai.
(*) clínico geral e psiquiatra