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Indo e vindo

Fim de tarde de domingo. Silêncio à minha volta. Aqui e ali, apenas os últimos trinados de algum pássaro em despedida do dia. Fechar os olhos e aspirar o ar da tarde que se vai

Terezinha Hueb de Menezes
Publicado em 03/10/2009 às 19:12Atualizado em 20/12/2022 às 10:19
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Fim de tarde de domingo. Silêncio à minha volta. Aqui e ali, apenas os últimos trinados de algum pássaro em despedida do dia.

Fechar os olhos e aspirar o ar da tarde que se vai. E deixar livres as sensações, como se nuvens azuis sobrevoassem nossos sonhos, modelando-os em formatos diversos: asas de esperança, ruflando lentamente, flores desabrochando aos beijos dos últimos raios de sol, lembranças em caracóis, indo e vindo, indo e vindo, num enovelado estranho de fantasia e realidade, como se o que se foi, de repente, estivesse ainda acontecendo, talvez no desejo inconsciente de fazer retornar momentos inesquecíveis.

Fechar os olhos e ver lá atrás o tempo em que meus irmãos e eu  brincávamos nas calçadas de pique-pega, de amarelinha, pai e mãe, mais avó e tios sentados à frente da casa, a lua branquejando o céu, medo nenhum de ladrões, marginais ou drogados. Era outro tempo. E o valor maior da meninada era poder brincar sem med portões e portas das casas sempre abertas, esperando o retorno de seus habitantes despreocupados e alegres.

Fechar os olhos e tentar resgatar as idas e vindas à escola, na ansiedade de encontrar as amigas queridas, colocando em dia os acontecidos, ou matérias de aula que precisavam ser revistas. E aceitar o uniforme, bem tradicional e austero, diante da jovialidade da meninada. E nem sentíamos calor, apesar das meias de algodão e das saias pregueadas em tecido quente: tudo era festa...

Fechar os olhos e sentir, de novo, a paz de um silêncio que me acalma o espírito, ávido talvez de escalar fictícias montanhas, no desprendimento de ânsias e receios, como se o invólucro material sentisse necessidade de descartar inutilidades existenciais, no desprezo a mágoas, tristezas, dúvidas e misteres; necessidade, ainda, de atingir, interiormente, o zero grau das vicissitudes humanas, das queixas que avassalam a vida de cada um de nós.

Fechar os olhos e tentar ouvir o gargalhar de anjos, com imensas asas ruflantes, trazendo, pelas mãos, você, meu amor, com certeza também tornado anjo, em esferas que não vemos, que não conhecemos, com endereço desconhecido para nós, viventes.

Fechar os olhos e ter de novo você...

(*) educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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