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Homo zoologicus

O ser humano, conhecido cientificamente como homo sapiens

Savio Gonçalves dos Santos
Publicado em 28/10/2012 às 13:51Atualizado em 19/12/2022 às 16:38
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O ser humano, conhecido cientificamente como homo sapiens sapiens não pode se orgulhar, na contemporaneidade, de sua denominação. Em tempos onde a significação da identidade fica cada vez mais complexa, e dependente do exterior ao humano, falar de um ser que é essencialmente complexo e pensante pode causar complicações. Hoje, a necessidade de existir acaba sendo jugulada pela dinâmica social. Faz-se não mais o que se quer, mas sim o que a sociedade coloca como dever; não se pensa por si, mas sim como as instituições sociais querem que se pense; não se é mais... se é que um dia se foi!

A grande verdade é que o ser humano nunca conseguiu se livrar da relação sujeito-objeto. Sabe-se que o processo de conhecimento passa pela necessidade de abstração do objeto (cognoscível – o que é conhecido) pelo sujeito (cognoscente – aquele que conhece), que se traduz como o processo de cientificidade. A grande questão a ser analisada neste texto é a inversão desse processo.

Atualmente, o objeto acaba significando a existência do sujeito. Quem determina comportamento não é mais o humano, mas sim aquilo que se traduziu como coisas com que se lida. Entretanto ao se observar, criteriosamente, os processos de formação do sujeito, especialmente pelo viés tecnológico, chega-se a ideia de que o humano não passa de um ser preso e em constante exposição. Isso sem se falar na alimentação e no modo como se distrai. Na internet, luta-se por um espaço, por reconhecimento, onde qualquer clique que se dá em algo que lanço na jaula virtual é, quase que instantaneamente, ovacionado por aqueles que a visitam... ou rapidamente enxovalhado por opositores e desafetos.

O espaço dedicado a expressar as opiniões, muitas vezes acaba repleto de repetições de pensamentos, ou cópias de frases expostas em outra jaula. O humano acaba sendo, verdadeiramente, um homo zoologicus. O mais curioso é como esse mesmo sujeito é facilmente influenciado por artigos simples como TVs, carros, bugigangas das mais diversas espécies, que promovem os mais estranhos efeitos sobre esse animal em exposição. E quando o assunto é diálogo, esse ponto é ainda mais delicado. Esse animal acaba criando um modo de se comunicar variado, que se aplica em vários momentos, de muitos modos, em inúmeras situações. Se a linguagem é a expressão de signos que se quer, da maneira que se quer, o receptor acaba interpretando da maneira que ele quer, entendendo do modo que lhe for conveniente. Na prática, o humano nunca se entendeu... Está num processo de execução constante, de aceitação perene, em um zoológico chamado sociedade, onde as jaulas podem assumir as mais variadas formas; isso sem se falar das possíveis punições advindas por um comportamento que contrarie as regras dispostas.

Para facilitar o convívio são criados diversos agrados; formados diversos ensinamentos; geradas as formas de ajuntamento baseadas em verdades singulares, que se tornam universais. E nesse ínterim, alguns ainda se destacam ao assumir a gerência do zoológico, levando aos demais que estão em exposição a um comportamento que ofende a própria existência humana. Numa lógica que ratifica o ser zoologicus de cada um.

(*) Mestre em Filosofia e professor universitário

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