Na última quinta-feira, os jornais e revistas enalteceram o dia dedicado à mulher
Na última quinta-feira, os jornais e revistas enalteceram o dia dedicado à mulher. Exaltaram sua dignidade. Elogiaram sua beleza. Lembraram de seus atos heroicos. Louvaram a luta pela sua emancipação. Seus retratos coloriram as páginas dos diários. Lindas! Exibiram suas roupas. Comentaram suas viagens internacionais. Orgulharam-se de sua cultura. Provocaram invejas suas suntuosas mansões.
Ao refletir sobre glórias tantas, lembrei da oração de uma cozinheira negra. Tenho-a guardada em meus arquivos, copiada não sei mais de onde. O dia de festa era dela também. Gostaria que você percebesse a grandeza do espírito que brota de suas palavras. Leia:
“Senhor, dono das panelas e das marmitas! Não posso ser a santa que medita aos vossos pés. Não posso bordar toalhas para o vosso altar. Então que eu seja santa ao pé de meu fogão. Que o vosso amor esquente a chama que eu acendi e faça calar minha vontade de gemer a minha miséria. Eu tenho as mãos de Marta, mas quero também ter a alma de Maria. Quando eu lavar o chão, lave também os meus pecados. Quando eu puser na mesa a comida, coma também, Senhor, junto conosco. É ao meu Senhor que eu sirvo, servindo minha família.”
Sua bênção, Maria Penido, negra lá da fazenda onde vivi minha infância. Sem dentes e não se envergonhando de um imenso bócio que lhe enfeitava o pescoço. Dia 8 de maio foi seu dia também.
Sua bênção, Maria do Antônio, que lavava minhas roupas e, carinhosamente, me chamava de Tomazinho. Meus parabéns! Dia 8 de maio foi seu dia também.
Sua bênção, Olésia, esposa do João Picão. Gorda, imensa, bebia sem parar o café por minha mãe deixado no rabo do fogão. Não se envergonhava de seus peitos enormes como duas negras melancias se entornando até à barriga. Dia 8 de maio foi seu dia também.
Sua bênção, Maria Luíza, “ajuntada” com o Zé Carreiro. Negra despachada, de muita conversa e pito de palha constantemente pendurado no canto da boca de dois ou três dentes e muito beiço. Meus parabéns! Dia 8 foi seu dia. Vocês ainda moram em meu coração.
Hoje, estão todas na Casa do Pai. Sei que se lembram de mim.
(*) Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro