ARTICULISTAS

Hegemonia cultural

O Brasil tem assistido nos últimos meses

Savio Gonçalves dos Santos
Publicado em 20/09/2013 às 19:49Atualizado em 19/12/2022 às 11:00
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O Brasil tem assistido nos últimos meses – alguns atônitos – inúmeros protestos, movimentações e manifestações. Todas essas atitudes são legítimas e legitimadas. Entretanto, muito se tem falado acerca da positividade das ações populares, mas pouco se tratou dos eventos adversos sérios que insurgem contra as mesmas obras coletivas, produzidos pela mesma turbamulta que ocupa o espaço público convencionado rua. Um desses aspectos é a hegemonia cultural.

A discussão acerca do processo hegemônico cultural se sustenta na filosofia de Antônio Gramsci, filósofo e político italiano do século XX, que analisou os acontecimentos da ditadura fascista italiana. Em sua teoria o autor defende uma estruturação do estado avesso ao modelo marxista, que é dominante e opressor, controlado por uma classe. Gramsci chama atenção para o fato de que uma construção de dominação ideológica, não acontece sem o devido consentimento das classes dominadas; daí a necessidade de acordos e alianças, além de benefícios concedidos rapidamente, numa demonstração de solidariedade. Neste processo, a classe que pretende exercer a hegemonia cultural acaba abrindo mão de algumas de suas crenças e princípios. Adota, inclusive, práticas divergentes, para em seguida, conseguir chegar ao poder através de anuência coletiva, garantindo um estado “democrático”.

Um aspecto, levantado pelo filósofo, acerca desse processo de mudança é a intensa participação de intelectuais na construção da hegemonia, estabelecendo aparatos ideológicos e culturais que, inclusive, abominam qualquer ato de violência. Através de tais aparatos é que surgem os acordos. Esses acordos, firmados entre as classes sociais e os representantes, é o que possibilita a existência de um estado “democrático”, eclodido da junção da sociedade civil e da sociedade política, numa espécie de idolatria necessária ao estado – estadismo. É justamente por isso que as manifestações populares preocupam.

Na sede constante de se criar um Estado de participação social, aliada com a prática política ortodoxa – leia-se bem comum –, e tomando algumas doses de teorias da conspiração, fica evidente que o Brasil passa por um processo de hegemonia cultural, que pode levar à ascensão de partidos políticos como defensores do povo, quando não o são. As respostas dadas pelas instituições representativas nos últimos dias mostram claramente a abertura dos partidos políticos para atender as demandas populares, em determinações que antes eram impossíveis de ser aprovadas. Dessa maneira, as manifestações populares acabam como um processo natural para que a hegemonia de determinado partido se sobreponha, legalmente, sobre o povo, numa espécie de ditadura camuflada, legitimada; um golpe de estado.

Ao invés de se primar pela criação de um Estado democrático de direito, a população deveria preocupar-se com o processo de conscientização, buscando uma autonomia social. A autogestão, caminho escolhido por Gramsci como saída para lidar com a hegemonia cultural – prática que depende da análise crítica, que só se alcança com a tomada de consciência.

Assim, os resultados das manifestações populares são, por um lado, positivos; mas de outro, extremamente preocupantes, principalmente se tomados sob a ótica do pensador italiano. As inúmeras concessões que as casas democráticas brasileiras têm feito, e mesmo os governos, podem se transformar, facilmente, em um modo de acalmar as massas, e orientá-las para a submissão inconsciente. Não mais de maneira alienada. Mas sim usando princípios que, durante anos, se tentou inculcar na população brasileira: a ação, a cultura, o conhecimento, a participação popular, a política participativa, os direitos sociais etc. Ditadura, dominação e submissão não são construídas somente de maneira violenta e monocrática, mas também pela paz e pela democracia.

(*) Mestre em Filosofia e professor universitário

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