A presença crescente de javalis-europeus (Sus scrofa) e de seus híbridos com porcos domésticos — os chamados javaporcos — tem gerado uma crise silenciosa, porém alarmante, em diversas regiões de Minas Gerais. Segundo registros oficiais, esses animais invasores já foram identificados em quase 400 municípios do estado, com maior incidência no Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba e no Noroeste.
Considerados uma ameaça tanto à agricultura quanto ao meio ambiente, os javalis têm deixado um rastro de prejuízos nas lavouras e nos ecossistemas locais. Produtores rurais relatam perdas significativas em plantações de milho, soja, trigo e feijão, cujas áreas são frequentemente invadidas pelos animais por meio de corredores verdes, como Áreas de Preservação Permanente (APPs) e reservas naturais.
Além dos impactos econômicos, a ação dos javalis compromete o equilíbrio ambiental. A movimentação dos animais revirando o solo interfere na filtragem da água e contribui para a turbidez de nascentes, aumentando o risco de contaminação. A fauna local também sofre: aves perdem ninhos e espécies nativas têm seus habitats comprometidos.
Reprodução acelerada e dispersão veloz
O agravante da situação está na capacidade reprodutiva desses suínos selvagens. Os javalis podem se reproduzir antes de completarem um ano, com ninhadas de até oito filhotes. Em quatro anos, um único casal pode originar 32 descendentes. Os javaporcos, ainda mais férteis, chegam a produzir até 20 filhotes por ano, o que acelera sua disseminação.
Outro fator preocupante é a capacidade de deslocamento dos animais. Sem predadores naturais no território brasileiro, javalis e javaporcos podem percorrer até 300 quilômetros em um único dia, ampliando sua área de atuação e dificultando o controle populacional.
Esforços de contenção esbarram na burocracia
Desde 2010, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) reconhece javalis e javaporcos como espécies exóticas invasoras. Em resposta, o órgão autorizou o manejo controlado da espécie. Cerca de dois mil caçadores credenciados atuam atualmente em Minas Gerais, seguindo protocolos rígidos de controle.
Entretanto, o processo depende de autorização do Sistema de Manejo de Fauna (Simaf), vinculado ao Ibama, cuja morosidade tem sido alvo de críticas. Agricultores e caçadores afirmam que a lentidão na liberação de permissões compromete a eficácia das ações em campo.
Mobilização institucional
A gravidade do problema levou a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) a discutir a possibilidade de declarar o javali como praga agrícola. A medida, se aprovada, permitirá maior flexibilização das ações de controle, incluindo a participação direta do setor privado.
Enquanto isso, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e o Instituto Estadual de Florestas (IEF) vêm promovendo iniciativas de educação ambiental, monitoramento de áreas vulneráveis e projetos-piloto de manejo sustentável. Entre as regiões mais afetadas, destaca-se o entorno do Parque Nacional da Serra do Cipó, que vem sendo alvo de ações preventivas.