Mônica Sifuentes é natural de BH, doutora em direito internacional e especialista em tráfico internacional de pessoas (Foto/Ana Clédia Zorzal/ Justiça Federal)
A desembargadora Mônica Sifuentes será a primeira brasileira a integrar o Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia. Natural de Belo Horizonte, a ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) foi eleita, no final do ano passado, para um mandato de quatro anos na Junta de Diretores do Fundo Fiduciário para Vítimas do TPI.
A magistrada vai atuar, representando a América Latina e o Caribe, no departamento responsável por garantir reparações requeridas pelo TPI às vítimas de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra. O trabalho terá ainda outros quatro representantes da África, Ásia, Europa, Oceania e buscará a viabilização de apoio material, reabilitação física e assistência psicossocial às pessoas vitimadas em cenários de guerra.
O mandato de Sifuentes começa em abril deste ano, com validade de quatro anos. “Acho que terei um papel muito importante de assegurar não só a representatividade de gênero, mas assegurar também que as mulheres vítimas da guerra, dessas violências e que muitas vezes são esquecidas, que tenham reparação digna”, disse em entrevista à reportagem de O TEMPO.
Como representante da América Latina e Caribe, Sifuentes projeta uma atenção maior às vítimas da crise humanitária na Venezuela. Projeções da Organização das Nações Unidas (ONU) contabilizam ao menos 5,4 milhões de venezuelanos refugiados ao redor do mundo. A desembargadora salientou também que o fundo acompanha os desdobramentos das guerras entre Ucrânia e Rússia e Israel e Palestina, mas ressaltou que atuações nas regiões dependem ainda de julgamentos do Tribunal de Haia para direcionar o trabalho de reparação.
“O fundo só executa as ordens do tribunal. Mas ainda que não haja uma condenação, o tribunal pode ordenar que haja um programa assistencial emergencial para as vítimas porque a espera pela condenação pode durar anos. Na Palestina, por exemplo, há uma questão política muito delicada”, disse. Para a magistrada brasileira, o mandato será marcado por dois desafios: o baixo volume de recursos disponível para reparações - o valor exato não pode ser divulgado por normas de confidencialidade - e as sanções do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra o TPI.
Em relação à quantia, Sifuentes garantiu que o ‘cobertor é curto’. Os valores disponíveis são fruto de punições aplicadas a criminosos condenados, além de contribuições voluntárias de países.O Brasil, inclusive, não contribui, segundo a magistrada “O fundo não inclui só a reparação direta do dano sofrido, mas também assistência psicológica e humanitária. Atualmente, por exemplo, estamos atuando na África Central, na República do Congo, no Quênia, no Mali e na Geórgia”, detalhou.
Nos últimos dias, Donald Trump autorizou sanções econômicas e de viagem contra pessoas que trabalham em investigações do Tribunal Penal Internacional (TPI) sobre cidadãos norte-americanos ou aliados dos EUA, como Israel, provocando condenação -- mas também alguns elogios -- no exterior.
A medida de Trump coincidiu com uma visita a Washington do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que é alvo do TPI por causa da guerra em Gaza. Na avaliação da representante brasileira no Tribunal, será necessário avaliar e compreender a extensão e a natureza das penalidades impostas por Trump ao órgão. Para Sifuentes, a saída dos EUA de Haia deve reduzir o volume de recursos disponíveis para reparação.
“Nós estamos aguardando a comunidade jurídica internacional, que tem feito muitos protestos contra essas sanções que o presidente Trump está impondo e eu tenho fé e esperança que vai ser uma fase difícil, que nós vamos passar, mas que o bom senso prevalecerá, porque não tem motivo de você prejudicar vítimas de crimes como esses”, comentou.
Sifuentes lembrou que os tribunais internacionais representam uma evolução do ponto de vista do avanço do multilateralismo, após a Segunda Guerra, para julgar crimes contra a humanidade. “E o presidente Trump dá um passo atrás em um cenário de evolução internacional”, completou.
Nos quatro anos integrando o TPI, Mônica Sifuentes afirmou que pretende abrir caminho para que outros brasileiros possam integrar o organismo internacional. Outra convicção diz respeito à justiça restaurativa que, na avaliação da magistrada, não tem implementação no Brasil.
“A justiça restaurativa tem tudo a ver com a reparação integral da vítima. É uma nova faceta, uma nova forma de ver a justiça. Não uma justiça que apenas impõe penalidades, que apenas impõe ali o seu braço forte, mas uma justiça que também ajuda a reerguer uma comunidade, erguer uma pessoa, a tirá-la de uma situação tão lamentável como é uma situação de ser vítima de um crime de guerra e dar-lhe novamente uma dignidade, paz e esperança”, projetou.
No TPI, a atuação da desembargadora Mônica Sifuentes será independente e sem a interferência do Ministério das Relações Exteriores, que apenas indicou o nome para votação. Em nota, a pasta celebrou a eleição da desembargadora mineira e citou a importância do trabalho para formular estratégias e promover iniciativas em benefício das vítimas dos crimes julgados em Haia.
“A eleição da desembargadora, além de reconhecimento de suas qualificações, reflete o compromisso do Brasil com um TPI independente e imparcial”, celebrou. O advogado-geral da União, Jorge Messias, parabenizou Sifuentes pelo mandato e garantiu que “o TPI e a Junta ganharão muito com a experiência da magistrada”, disse.