Mulheres enfrentam diversos desafios no mercado de trabalho (Foto: Viktorcvetkovic/ iStockphoto)
No último fim de semana, o mundo acompanhou atento as eleições norte-americanas. A disputa, que parecia rumar para um cenário acirrado, terminou com uma vitória folgada de Donald Trump sobre Kamala Harris. O republicano ultrapassou os 270 votos no Colégio Eleitoral necessários para chegar à Presidência dos Estados Unidos, obtendo 295 votos, contra 226 conquistados pela democrata. Para além das diferenças políticas, das características dos planos de governo e das ideologias representadas por cada um deles, um questionamento se destaca diante da derrota de Kamala: o gênero da candidata teria pesado na escolha para o cargo mais importante do país?
Embora o questionamento não possa ser respondido com toda certeza sem uma análise profunda, o panorama mundial reforça a percepção de que ainda há uma dificuldade na aceitação de figuras femininas em cargos de destaque – fator que talvez tenha pesado também nas eleições norte-americanas. Prova disso é a pesquisa Woman in Business 2023, que estima que apenas 34% dos cargos de liderança serão ocupados por mulheres em 2025. Conforme o Índice Global de Disparidade de Gênero 2024, divulgado pelo Fórum Econômico Mundial em junho deste ano, a paridade de gênero total só deve ser alcançada daqui a 134 anos.
No Brasil, o cenário não é menos díspar. Mesmo que a maioria das pessoas formadas no ensino superior sejam mulheres, elas são minoria na ocupação das posições de poder no mercado de trabalho. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em março, apenas 39,3% dos cargos gerenciais no país são ocupados por mulheres. A disparidade também é observada na remuneração. Conforme o órgão, o rendimento das executivas femininas representa apenas 78,8% do que é pago aos homens.
Mentora de resultados, Leila Said aponta que há vários fatores por trás desse cenário. “A gente vem de uma sociedade culturalmente machista, no sentido de sempre ter a ideia da mulher como aquela que fica ladeando o homem, com eles sempre no poder e elas em casa, no papel familiar, sem um poder de decisão e de influência. A não ser na educação dos filhos, e olhe lá”, observa ela, acrescentando que, historicamente, a referência de liderança sempre foi do homem.
Leila pondera que, apesar das dificuldades, existem avanços. “Muitas mulheres têm chegado ao poder, tanto que a gente vê grandes empresas confiando o cargo de CEO a mulheres e conquistando resultados diferenciados”, afirma. A mentora pontua, no entanto, que, mesmo ocupando posições de liderança, as mulheres ainda lidam com situações que estão relacionadas apenas a seu gênero. “A gente vê uma multiplicidade de papéis que devem ser cumpridos pela mulher, papéis que ainda não foram diluídos. O homem pode continuar sendo o ‘homem da casa’, aquele que sustenta ou que traz o sustento. Então, ele tem esse papel muito concentrado no trabalho. Enquanto isso, a mulher tem outras tarefas, porque, mesmo que ela tenha secretárias e assistentes em casa, ela ainda é a mãe que organiza, que gerencia o lar, que cuida dos filhos”, lista.
Essa multiplicidade de papéis se reflete na dupla jornada de trabalho enfrentada pelas mulheres. De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), elas trabalham, em média, por semana, 7,5 horas a mais que homens. Mas, além do desafio de se desdobrar em diferentes funções, as trabalhadoras ainda precisam enfrentar outros obstáculos, que incluem diretamente os preconceitos relacionados ao gênero. Representações dessa discriminação estão em atitudes como o “mansplaining” (termo que se refere à situação em que um homem explica algo para uma mulher de forma condescendente, como se ela não entendesse do assunto) e o “manterrupting” (expressão que define a situação em que uma mulher é interrompida por um homem antes de ela terminar de falar).
Preconceito que vem de dentro
Psicóloga de mulheres, Iris Simões observa que existe ainda um olhar diferente lançado às mulheres. “Existe uma tendência de condicionar o sucesso feminino a outras coisas que não sua competência. Quando um homem ganha alguma coisa, quando triunfa em relação a algo, isso é fruto da competência dele, mas, quando alguma mulher está em um lugar de destaque, existem comentários como ‘ela fez alguma coisa para chegar ali’, ‘ela seduziu alguém’ ou ‘foi sorte’”, afirma.
Iris pontua ainda que esse tipo de comportamento, aliado ao próprio machismo que continua enraizado na sociedade, acaba afetando a forma como as próprias mulheres se veem e compreendem suas capacidades. “A gente vê na clínica certa dificuldade das mulheres de se enxergarem como pessoas capazes, porque somos socializadas dessa forma, como inferiores”, diz ela, acrescentando que atende muitas mulheres que se sentem incapazes de realizar seus projetos por causa de pensamentos como esse.
A psicóloga aponta que desconstruir esse tipo de visão é difícil, mas necessário. E isso pode ser feito com a ajuda de terapia, com uma rede de apoio fortalecida e autoconhecimento. “Precisamos fazer um trabalho muito grande de autoanálise, mas também ter incentivo, ficar em ambientes em que as pessoas nos incentivem e buscar ser capazes de ter confiança para realizar nossos projetos”, aconselha.
Fonte: O Tempo