Faz de conta que os sabugos são bois...
"Faz de conta que os sabugos são bois...”
“Faz de conta...”
“Faz de conta...”
E os sabugos de milho mugem como bois de verdade...”
(Jorge de Lima)
Mundo do faz de conta... fantasia.
Lá no quintal, ele projeta o futuro no sonho de crescer, de ser gente grande. “Os sabugos de milho mugem como bois de verdade” e o menino estufa o peito com o rebanho no curral de palitos de fósforo. De noite, em sonhos, os animais fogem céleres e os olhos da criança acordam molhados nas lágrimas do bem perdido; mas logo percebe que os sabugos continuam lá e seus.
No canto do jardim, a menina embala a boneca contra o peit no nana-neném, ela se vê mãe verdadeira, no despertar para a maternidade. A boneca chora, e a mãe-menina, no enleio protetor, promete-lhe livrá-la das tristezas: ela seria feliz.
Mais adiante, o garoto corre, presa à mão colorida pipa, que sobe, sobe, alcançando o espaço azul, ele junto, subindo, rumo à liberdade que a terra lhe nega, fugindo da prisão que é a própria sujeira, a própria miséria, a falta de família, a moradia nas ruas: olha a pipa, antevendo-se aviador. Um dia cortaria os céus em busca de outras terras mais cordiais e amigas.
Do outro lado, aquela menina de dez anos é a professora dos amigos menores: um mais um, dez mais um, jamais um menos um ou dez menos um: deveriam aprender a conta do mais, menos nunca; o mundo precisava de pessoas que somassem, que aprendessem a tabuada da vida na multiplicação, na divisã dividir o pão, dividir o amor, na medida em que conseguissem multiplicá-los. Diminuir apenas as tristezas, os males que penumbram a alma dos homens. Vê-se no futuro, sala cheia, ensinando os alunos a sorrir para a vida, tentando compreendê-la e driblá-la em suas armadilhas.
Lá fora, a lua brilha sua redondeza, grávida de São Jorge. E o menino de pés descalços sente-se o Pelé de anos adiante; embala a bola, tão parecida com a lua, sabe que, um dia, conseguirá domá-la e dar-lhe brilho, no carinho do jogo.
Ele olha o céu, vê o avião e quer torná-lo pipa outra vez; o outro vê o rebanho no curral e pensa nos sabugos de antigamente, verdadeiramente seus; aquele acalenta a bola que as pernas trôpegas mal conseguem suster; uma mulher, filha distante, lembra a boneca agarrada ao peito, apenas sua e tão protegida; aquela outra pensa nos alunos-brinquedos de outrora, para os quais podia dizer que o Brasil seria outro, cheio de sol, de luz, de campos resplendentes nos cereais, de água fluindo de rios claros, da felicidade que um dia viria, quando eles ficassem grandes...
(*) Educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro